Uma foto sabor queijo ou carne?
Por volta de janeiro de 2008 publiquei em meu blog um artigo chamado “A Metáfora do Pastel”. Faz bastante tempo, mas o interessante é que recentemente revisitei meus arquivos e achei o tema ainda pertinente, sendo assim resolvi voltar ao tema aqui no Fotografia-DG com este novo artigo.
Não sei se você gosta de pastel, e se nunca viu um, vale explicar que se trata de um lanche bem comum nas feiras livres e em lanchonetes populares, mas que chega a adquirir certo grau de sofisticação em um ou outro bar mais descolado por aí.
O pastel é feito com uma massa fina e crocante, fechada em formato retangular, frita, e que pode ser recheada com praticamente qualquer coisa, como carne, queijo, frango, vegetais diversos, carne de soja para os vegetarianos e até frutas e doces. Um pastel pode ser qualquer coisa, com qualquer sabor, mas em geral segue essa idéia simples de massa fina recheada e colocada para fritar.
Apesar do que possa parecer, não estou falando de fotografia de culinária neste artigo, e sim de fotografia em geral, na verdade qualquer coisa que seja fruto de um processo criativo, seja para o trabalho feito para um cliente ou algo autoral e artístico, então vale considerar ilustrações, textos, vídeos, enfim, quase tudo.
Vamos tornar o conceito mais claro. Digamos que você não saiba cozinhar. Neste caso, mesmo sendo um total iniciante na culinária, caso receba algumas instruções simples já será capaz de fazer um pastel de queijo. Não precisará de muita coisa, apenas comprar a massa, o queijo, ter uma panela com alguma quantidade de óleo, um pouco de bom senso e no final terá quitutes crocantes e queijo derretido esticando ao morder.
Um pastel de queijo é como uma idéia simples ou uma foto fácil, surge rápido, é fácil, gostoso, mas seu efeito dura pouco. A fome logo volta pois ele é cheio de vento, falta consistência além de ter bem pouco valor nutritivo.
Vemos exemplos disso nas artes, várias músicas aparecem do nada, tocam com frequência incrível nas rádios, viram febre e somem em poucos meses. Não entram para a história e não serão lembradas depois de um tempo. Vemos o mesmo no cinema, há filmes aos montes que não passam de reciclagem barata de Romeu e Julieta, trocam as roupas, o cenário, atualizam o diálogo e pronto, mais um filme sobre o mesmo roteiro.
Voltando ao pastel, vamos trocar o recheio de queijo por carne. Ao fazer isso notamos que o processo muda. O recheio exigirá temperos e alguma habilidade no preparo para que fique bom e talvez alguma leitura, treino e pesquisa. O preparo levará mais tempo e terá mais chances de ficar uma droga caso o cozinheiro não tenha todo o conhecimento necessário.
No entanto, se o nosso iniciante na culinária se dedicar, fizer tudo com carinho e cuidado, algum estudo e treino, no final teremos outro quitute crocante, com recheio mais volumoso, maior valor nutritivo e que irá matar a fome por mais tempo. Ainda será um pastel, mas melhor elaborado que o anterior.
Em resumo, se queremos ser mais completos e verdadeiros enquanto profissionais criativos, temos que estudar mais, dedicar mais tempo, treinar e criar nossos temperos para que nossa receita não seja algo que qualquer um faz. E olha que não estamos falando de uma receita complexa da alta gastronomia, é apenas um pastel.
O pastel está relacionado ao nosso trabalho diário, temos que atender o cliente, cumprir prazo, mas mesmo na correria, é melhor que ele seja bem feito, fruto de um processo caprichado e dedicado, do contrário, o cliente continuará com fome, e na próxima esquina irá comer outro pastel, ele não precisará mais do seu.
Já se pensarmos na alta gastronomia, iremos ter algo como grandes trabalhos em grandes campanhas, aquelas que ficam na memória, grandes filmes do cinema, obras dos grandes mestres apreciados nos museus etc. Isso demanda muito mais conhecimento, treino e tempo do que uma foto pastel, por melhor que esta seja.
Não é que uma foto despretenciosa, feita de forma rápida e sem preocupações não possa ser linda, assim como o nosso pastel de queijo, que pode ser uma delícia. Mas para dar soluções completas aos clientes, ou para produzir arte que entre para a história, temos sempre que nos lembrar do pastel de carne ou até mesmo pensar mais alto e se espelhar nas grandes iguarias dos maiores chefes da gastronomia.
O estudo, o treino e o aperfeiçoamento constante são obrigações do profissional, não importa a área de atuação. O mercado muda constantemente, novas necessidades surgem assim como novas tendências e modas. Temos que estar preparados, ser sempre melhores e ter conteúdo.
Todos podem comprar uma câmera, um computador e oferecer um serviço, então onde podemos oferecer diferenciais? No conteúdo, no recheio, no tempero.
Ilustro este artigo com uma foto que fiz em Olinda, Pernambuco, durante passagem que fiz pela cidade por ocasião de um workshop que ministrei em Recife, no Instituto Candela, e como estarei novamente em Recife no mês de agosto para outro workshop, lembrei-me desta imagem e resolvi ilustrar o artigo com ela.
Nos vemos em breve,
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