12 lições de Trent Parke sobre fotografia de rua – parte 2
Prosseguindo as lições aprendidas por Eric Kim com o fotógrafo australiano Trent Parke…
7. Ignore as imagens soltas, foque na criação de livros
O que guia Trent Parke em seus trabalhos? Certamente não são imagens soltas que podem render-lhe muito amor em redes sociais. Antes disso, é a produção de livros. Ele mostra sua paixão por livros no trecho abaixo:
“Tudo que faço é trabalhar indo para o próximo livro. Livros são o que conduzem meu trabalho. Não estou interessado em fotografias isoladas. No momento em que comecei Dream/Life eu sabia que que deveria ser um livro que fosse de acordo com com meus sentimentos pela cidade. Produzir livros lhe ensina muito sobre seu próprio trabalho. Em todas viagens que faço eu produzo um livro por fora do trabalho, apenas para ver para onde ele está indo e o que pode estar faltando neste trabalho como um todo.”
Ele também compartilha porque ele publicou seu primeiro corpo de trabalho Dream/Life, apesar deste ser extremamente caro:
“Publiquei eu mesmo o Dream/Life porque, ao final, eu queria controle completo do produto finalizado. Teria sido quase impossível encontrar alguém na Austrália para publicar um livro como esse. Isso me custa cerca de 65 mil dólares e, apesar de eu nunca ganhar muito desse dinheiro de volta, eu não poderia começar a colocar um valor no quanto isso ajudou minha carreira.”
Ponto-chave:
Uma das coisas que amo na internet é o quanto as mídias sociais nos ajudaram a nos conectarmos com outros fotógrafos ao redor do mundo. Não apenas isso, como também criou um canal para compartilharmos nossas imagens com milhões de pessoas mundo afora.
Entretanto, a parte ruim das mídias sociais é que por vezes torna-se um concurso de quem obtém mais favoritadas/curtidas/comentários em suas imagens. E isso termina sendo muito guiado por imagens isoladas. Pouquíssimos fotógrafos que conheço e que são ativos em mídias sociais trabalham em livros, os quais frequentemente tomam bastante tempo de foco em um único projeto.
Eu costumava ser um fotógrafo mais guiado por imagens isoladas também. Queria montes de amor das redes sociais a minhas imagens para ter uma sensação de validação.
Só que no fim do dia eu penso que essas imagens isoladas não são nem de perto fortes ou poderosas quanto livros, projetos e corpos de trabalho. Uma imagem isolada não consegue contar histórias como os livros de fotografia conseguem. E imagens isoladas não podem criar narrativas — ao passo que livros de fotografia lhe permitem aprofundar-se na questão do seu sujeito.
Portanto estou atualmente trabalhando tendo em mente a publicação de meus primeiros livros de fotografias, com esperanças de que seja do meu projeto Suits ou outro, o Colors. Comecei com apenas cerca de 10 boas imagens para cada projeto após 2 anos de trabalho em cada um deles. Isso é algo como 5 boas fotos por ano. Presumindo que quero que meu livro tenha em torno de 50 imagens, tenho ainda 8 anos mais a trabalhar. É meio frustrante o quão longo pode ser o trabalho em um livro de fotografias ou um projeto, mas penso que ao final do dia é muitíssimo mais significativo. Depois de morrer seu Flickr ou Facebook continuará ainda na área? Provavelmente não. Mas estou certo de que seu livro de fotos ainda permanecerá.
A grande coisa acerca das tecnologias atualmente é que você não precisa mais de um editor de livros. Grandes serviços, como o Blurb e o Magcloud, lhe permitem criar livros com visual profissional sem investir dezenas de milhares de dólares. Reconheço que não são tão bons quanto o que pode fazer um editor tradicional pode fazer, mas acho que o custo-benefício em termos de preço e disponibilidade definitivamente vale a pena.
Considere, então, focar mais nos projetos fotográficos, e possivelmente, na publicação de seu primeiro livro.
8. Crie um comentário social
Outro aspecto qu amo no trabalho de Parke é como suas imagens e projetos focam em questões sociais. Não são apenas imagens bonitas — ele está tentando dizer algo maior sobre a sociedade australiana como um todo. Parke explica:
“Meu trabalho desenvolve-se sempre fora do que está afetando minha vida no momento. Eu me vejo como um australiano médio e as questões que me afetam são usualmente as questões que estão afetando muitas pessoas também. Quero que meu trabalho comente sobre como é viver neste país durante meu tempo de vida.”
Parke explica ainda que afirmação ele está tentando passar pelo Minutes to midnight:
“O livro é quase de ficção onde estou criando uma história a partir dessas imagens documentais. É basicamente um depoimento sobre como o mundo está louco.”
Ponto-chave:
Quando você criar projetos ou corpos de trabalho, pense em que tipo de afirmação (statement) você está buscando passar através de suas imagens. Pense no significado mais profundo que seu projeto pode dizer sobre você ou a sociedade. Torne pessoal, e torne significativo.
9. Seja influenciado por artistas menos falados
Quando perguntado sobre suas influências, Parke diz como a melancolia em bandas a exemplo de Nine Inch Nails e Radiohead afetaram seu trabalho:
“Aquele tipo de banda e seus clipes fram uma grande influência. Tem esse grupo islandês chamado Sigur Rós, e sua música é simplesmente muito triste e melodramática. Elas têm este tipo de característica onírica obscura e suponho que é isto que estou tentando evocar em minhas fotografias, apesar de eu não estar realmente consciente de tais influências quando estou clicando.”
Ponto-chave:
Não são apenas outros fotógrafos que influenciam se trabalho. Pense em quantos canais artísticos, como música, escultura, pintura, filme, humanidades, ciâncias sociais e etc podem influenciar seu trabalho. Não limite-se: visite museus, exibições e converse com outros artistas. Deixe que eles lhe influenciem e expanda seu mundo.
10. Tenha senso de urgência
Uma das filosofias de vida que tenho é: “Viva todo dia como se fosse o último.” Afinal, nunca sabemos quando vamos morrer. Mesmo quando somos jovens e saudáveis poderemos sofrer um acidente de carro amanhã. Quero viver sem remorsos. Até Steve Jobs usou isso como seu mantra na vida:
“Quando eu tinha 17 anos, li uma citação que era algo como “Se você vive cada dia como se sendo seu último, algum dia certamente você estará correto.” Isso deixou-me uma marca, e desde então, nos últimos 33 anos, eu olhei para o espelho toda manhã e perguntei-me: ‘Se hoje for o último dia de minha vida, vou querer fazer o que estou para fazer hoje?’ E quando a resposta é ‘não’ por vários dias seguidos, eu sei que preciso mudar algo.” – Steve Jobs, na Stnford University, em 2005 [tem o discurso completo aqui — recomendo]
Trent Parke tem igualmente um senso de urgência semelhante em sua vida e seu trabalho, que foi moldado por uma tragédia pessoal em sua vida:
“[Minha] mãe faleceu repentinamente certa noite por ataque de asma. Foi isso. Estava tudo acabado. Esse foi o ponto de virada em minha vida, que deixou-me desesperado por agarrar tudo enquanto posso. Não há certeza quanto ao amanhã.”
A incerteza da vida é certamente o que conduz sua fotografia de rua:
“Saí para clicar todos os dias — isto tornou-se algo como uma droga para mim. Amo o ‘ataque’ que é sair por entre as pessoas e eu simplesmente precisava pôr as imagens em filme.”
Ponto-chave:
É sempre difícil ter tempo para nós mesmos a fim de não abandonar nossas paixões. Somos todos ocupados. Ocupados com o trabalho, ocupados com nossas famílias, ocupados com outras obrigações. Ocupados, ocupados, ocupados.
Quando trata-se de fotografia de rua, é o tipo mais democrático e facilmente acessível de fotografia. Independentemente do quão ocupados somos, acho que todos nós podemos tirar 15 minutos por dia para apenas dar uma saída e tirar fotos. Você pode fazer isso num rápido intervalo de almoço no escritório, ou no caminho para o supermercado.
Não deixe sua paixão em banho-maria. Se ficarmos adiando nossas paixões porque estamos “muito ocupados”, vamos acabar um dia em nossos leitos de morte nos lamentando por não dedicar mais tempo ao que mais nos importava.
11. Sobre preto-e-branco versus colorido
As imagens de Trent Parke possuem um certo visual próprio. Em seu trabalho em preto e branco, há um aspecto melancólico e épico. Seu trabalho colorido também possui cores lancinantes que gritam além das páginas. Apesar de Parke ser mais conhecido por seu trabalho em preto e branco, ele esteve recentemente mais focado nas cores. Ele compartilha o porquê:
“Com preto e branco ou colorido, eu tenho que clicar isto ou aquilo, e apenas impulsionando, e trabalhando, trabalhando para levar a outro nível. Quando você clica em cores, você passa a pensar coloido. Você está pensando em grandes cores assim como em grandes momentos, [e] colocar tudo isso junto num quadro é terrivelmente difícil de fazer.”
Parke também relata como ele passou dos cliques em p&b com 35mm em sua Leica para as fotografias em médio formato colorido com a Mamiya 7:
“As imagens de Minutes to Midnight eram líricas e atemporais, mas não havia nada que identificasse a Austrália, em termos físicos, então quis fazer algo que tivesse a cara da Austrália urbana, que usasse placas e propagandas datando o país num tempo específico. Eu quis mais detalhe, então as pessoas podem ler as placas.Foi por isso que ‘subi’ do 35mm para médio formato. Ao mesmo tempo, comecei a vasculhar nossos álbuns de família e descobri aqueles velhos kodachromes e fiquei fascinado pelas cores. Esse foi o maior catalisador de minha ida para as cores.”
Ponto-chave:
Apesar de Parke ser bem conhecido por seu trabalho em preto e branco e dominouo meio, ele não permite-se ficar complacente com seu trabalho. Ele poderia facilmente prender-se ao preto e branco e manter-se mantendo novos trabalhos com a mesma cara de seus antigos.
Mas ele prosseguiu a impulsionar-se para além — levando sua fotografia para novas fronteiras, as quais eram trabalhar a cores.
Parke também diz que trabalhando em cor — você vai reparar o termo diferente — uma pessoa não pode focar simultaneamente nos cliques em preto e branco e em cor ao mesmo tempo. Você precisa focar em um ou no outro.
Pessoalmente posso atestar isso também. Os primeiros que cliquei fotografia de rua foram todos em preto e branco. Eu enxerguei o mundo diferente. Vi o mundo em abstrações, formas e formatos, em contrastes, sombras e luz. Mas quando passei para para os cliques coloridos, reparei especialmente nas cores — e a descrição e o contexto que a cor adicionava a minhas imagens.
Ao cair do dia, preto e branco e cor são diferentes meios. Nenhum deles é “melhor” que o outro. Mas eu recomendaria cravar-se em um maio ou outro para determinado projeto. Porque você verá o mundo de forma diferente. Tentando misturá-los você não tera foco suficiente para criar um trabalho verdadeiramente grande.
12. Sobre ser fotógrafo e pai
Não tenho nenhum filho — mas ouvi como eles mudaram o jeito como ele vivia a vida, de uma forma dramática e profunda.
Trent Parke fala como ter uma criança mudou sua vida — e especialmente sua fotografia:
“Eu costumava clicar belos bocados todo dia ou em qualquermomento vago. Narelle e eu largamos toda [nossa] vida social que tínhamos para podermos prosseguir com nosso trabalho pessoal. Ser um fotógrafo de rua significa que você nunca vai parar de produzir imagens. E quando não estou clicando, Narelle está. Quando Jem veio, mudou tudo. Os pais e familiares tanto meus quanto dela vivem em estados diferentese, como não temos amigos com crianças aqui, não existe dia de folga (não podemos arcar com os preços estúpidos de creche).”
Entretanto, mesmo tendo Parke agora com uma criança, ele ainda foi capaz de encontrar maneiras de clicar:
“Havia apenas uma opção real se eu queria manter-me captando imagens e investindo tempo em meu filho: empurrar um andador enquanto clica.”
Ao longo do tempo, Parke descobriu como era capaz de balancear o fato de ter uma família e uma criança com sua fotografia:
“Jem odeia nosso flat de bicama e adora estar fora, então quando a luz está boa, nós saímos. Gasto uma hora ou algo assim clicando e quando a luz vai-se embora nos dirigimos ao parque mais próximo. Damos um passeio e daí vamos brincar em algum local diferente ao fim, então funciona de forma OK. Perdi algumas grande imagens pelo caminho, mas também tratei de bater algumas boas que eu não teria qualquer chance de bater estando em casa. Isso mudou completamente a maneira como trabalho. Mas atualmente penso que foi para melhor.”
Ponto-chave:
Se você tem uma criança e acha difícil encontrar tempo para sair e clicar, incorpore seu estilo de vida como pai em sua fotografia. Não pense que seu(ua) filho(a) lhe impede de criar um grande trbalho. Saia com seu pequeno e explore o mundo junto — câmera na mão.
Conclusão:
Eu admiro demais Trent Parke tanto por seu trabalho fenomenal quanto por sua paixão contagiante pela fotografia. Ele realmente impulsionou o gênero da fotografia de rua para mais adiante com sua meta implacável de produzir imagens excepcionais.
Pessoalmente Parke me desafiou em minha fotografia — a focar mais na produção de livros, na criação de imagens mais guiadas pela emoção, assim como a não-acomodação na mediocridade.
Penso que se todos seguirmos sua iniciativa de nunca deixar de lado nosso trabalho, e nos empenharmos em sermos os melhores que podemos ser em nossas fotografias, morreremos sem remorsos.
fotos via Hugo Michell Gallery / dica do texto: Cristiano Freitas
Como sempre, serão bem-vindos os toques quanto a lapsos na tradução. O Fotografia-DG agradece, e os leitores também.
Tag:Eric Kim, Fotografia de Rua, Parke, street