12 lições de Trent Parke sobre fotografia de rua – parte 1
O fotógrafo Eric Kim nos apresenta os ensinamentos que obteve da obra do australiano Trent Parke, especializado em fotografia de rua/street photography
por Eric Kim (traduzido)
Trent Parke é um dos fotógrafos contemporâneos mais fenomenais que existem por aí. O que amo em seu trabalho é a forte ligação emocional e pessoal que ele tem com suas fotografias, bem como sua paixão fanática por fotografia de rua.
Um de seus livros seminais, Minutes to midnight, foi recentemente publicado [nota: texto de fev/14] e eu queria escrever um artigo sobre Parke e como ele inspirou-me para minha fotografia de rua.
1. Busque pela luz
“Estou sempre perseguindo a luz. A luz torna o ordinário mágico”
— Trent Parke
Uma das coisas mais excitantes no trabalho de Parke é a luz de tirar o fôlego que ele captura. Em seus trabalhos anteriores Dream/Life e Minutes to midnight, luz é o que faz com que as imagens ganhem vida. Parke é capaz de brincar magistralmente com a luz para tornar suas imagens capazes de seguir sua assinatura em imagens monocromáticas: contraste profundo e luz brilhante.
E é certamente a luz o que torna extraordinárias fotografias ordinárias. Até mesmo a definição de fotografia é “pintura com luz” [nota: na verdade seria “escrita com luz”, mas enfim…]
Ponto-chave:
Um dos equívocos que vejo muitos fotógrafos de rua iniciantes cometerem é não prestar atenção suficiente à luz. As imagens de Parke realmente ficam vivas com a luz. — quer esteja ele clicando na chuva, durante um pôr-do-sol criando longas sombras ou produzindo imagens surreais com flash.
Então quando você está por aí fotografando na rua, não pense apenas em relação a seus motivos e o background. Lembre-se da importância da luz, e como ela pode transformar uma de suas imagens de algo medíocre para extraordinário.
Sugiro também tentar evitar cliques quando a luz for pobre. Em outras palavras, tente evitar suas saídas fotográficas cerca de meio-dia, quando o que você tem é uma luz desagradável e sombras idem — que criam toneladas de altas-luzes estouradas. Tente clicar quando a luz é mais impecável, como durante um amanhecer ou um pôr-do-sol.
Outra solução é clicar com flash (no caso de luz de meio-dia). Martin Parr faz isso muito bem, expondo sua câmera à luz ambiente e usando o flash para preencher seus sujeitos.
2. Clique um monte de porcaria
“Você clica um monte de porcaria e daí está prestes a ter umas poucas das boas.”
— Trent Parke
Trent Parke é fanático em sua fotografia, e está constantemente clicando. Sua filosofia está em sair e disparar muito — este trabalho árduo retornará algumas boas fotos. Parke explica o trabalho pesado que teve para conseguir uma certa imagem em particular (acima):
“Fui (ali) todas tardes, por coisa de 15 minutos, quando a luz passa por entre dois edifícios. Isso só acontece em certa época do ano: você só tem aquela pequena janela de oportunidade. Estava confiando muito na sorte — no número de pessoas saindo dos escritórios, no sol caindo no ponto certo, e num ônibus chegando no tempo exato para obter esta longa e borrada listra de movimento. Se eu não conseguia a imagem, voltava lá no dia seguinte. Estive ali provavelmente três ou quatro vezes por semana num mês. Usei uma Nikon antiga de imprensa que dava para puxar a parte do topo para fora e olhar diretamente para baixo, porque eu estava clicando com um minúsculo tripé que subia apenas 8cm. Tentei deitar no terreno, mas as pessoas não ficavam em qualquer ponto perto de mim. Eu finalmente consegui esta imagem depois de três ou quatro tentativas. Gastei centenas de rolos de filme, mas logo que obtive aquela imagem, simplesmente não pude mais chegar perto de novo. Aquilo era um bom sinal: você sabe que conseguiu algo especial.”
“O fato de que as imagens das pessoas no ônibus ficarem nítidas, e de você pode ver através delas, é algo que ainda me desconcerta. As pessoas podem não conseguir entender o que é a imagem, ou como fui capaz de obtê-la, e eu mesmo não posso explicar. É algo que o olho não pode ver quando você está caminhando. Algo que apenas a fotografia pode capturar.”
Para obter essa imagem, Parke admite que precisa gastar uma centena de rolos de filme (~3600 imagens) para consegui-la exatamente como queria.
Ponto-chave:
Fotografia de rua é difícil, e conseguir uma simples imagem boa demanda enorme quantidade de trabalho (e toneladas de fotos ruins).
Quando saímos pra rua, é bastante improvável que venhamos obter uma boa fotografia em um dia. Ou mesmo em um mês. Ou ainda um ano. Há muitas chances e felizes acasos em fotografia de rua que não podemos prever. Mesmo os pequenos detalhes podem tanto provocar quanto estragar uma imagem.
Então tenha em mente que, para sermos um melhores fotógrafos (e criarmos grandes imagens), precisamos (nas palavras de Trent Parke) “clicar um monte de porcaria.”
Então quando você olha para suas imagens e fica deprimido, achando que suas imagens são uma m…, penso que este é o primeiro passo para ser uma fotógrafo melhor. Isso significa que seu padrão para sua fotografia é alto. Mas clicando fotos ruins o suficiente e vigiando-se para estar sempre nas ruas, você vai mais cedo ou mais tarde obter algumas boas fotos.
Fotografia de rua pode frequentemente ser um jogo de azar ao fim do dia. Como Seneca disse, “Sorte é quando a preparação conhece a oportunidade.” Então crie sua própria sorte clicando mais e criando mais oportunidades para si.
3. Canalize suas emoções para suas imagens
Para mim, as mais memoráveis e significativas imagens que vi de outros fotógrafos são aquelas que extraem uma forte reação emocional. Uma das coisas que amo no trabalho de Trent Parke são as emoções cruas que sinto em suas imagens. Suas fotos mostram uma sensação de solidão, devaneio, ansiedade, assim como esperança.
Parke compartilha sua história pessoal e como eventos infelizes em sua vida lhe conduziram a usar a fotografia como uma via para canalizar sua emoção em suas fotos:
“Minha mãe faleceu quando eu tinha 10 anos, e isso mudou tudo sobre mim. Me fez questionar tudo ao meu redor. A fotografia é uma descoberta da vida que lhe faz olhar para coisas que você olhou antes. É sobre descobrir a si mesmo e seu lugar no mundo.” Parke ainda como foi capaz de usar a fotografia como uma forma de auto-expressão e autodescoberta:
“Eu cresci nos subúrbios de Newcastle, onde a periferia encontra o mato. Quando vim para Sydney aos 21, deixei tudo pra trás — todos meus amigos de infância e meu melhor amigo — em primeiro lugar tive apenas essa sensação de completa solidão na grande cidade. Então fiz o que sempre faço: saí e usei minha Leica para canalizar essas emoções pessoais em imagens.”
Parke expande esse conceito explicando como a fotografia não é acerca de capturar uma “realidade objetiva.” Sim, ele quer que a fotografia seja pessoal para si. E sempre clica para si mesmo: “Estou sempre tentando canalizar essas emoções pessoais em meu trabalho. O que é bem diferente do monte de fotógrafos documentaristas que querem despir a cidade mais objetivamente. Para mim é muito pessoal — trata-se do que está em meu interior. Não penso sobre o que outras pessoas vão fazer disso. Eu clico para mim mesmo.”
Ponto-chave:
No fim do dia, ninguém se importa com o quanto bem compostas estão suas imagens se não extraem qualquer tipo de emoção humana. Vácuo de emoções, composições e geometria extravagantes não o fazem. Admite-se que você precisa de composições e emoções fortes para fazer uma grande fotografia — mas deixe-nos sempre lembrar como queremos fazer também nossas imagens pessoais.
Todos nós temos certas experiências de vida que nos influenciam ou nos afetam de uma forma fundamental. Não só isso, como também algumas vezes temos momentos realmente trágicos (ou felizes) em nossa vida — e a fotografia é às vezes a melhor maneira de canalizar tais sentimentos e emoções.
Então, como um fotógrafo, pense sobre as emoções que está criando em seu trabalho — e como seu trabalho é um autorretrato. Como você se expressa através de suas imagens? Como a fotografia te ajuda a melhor entender o mundo? Quão pessoal é sua fotografia? Essas são algumas das questões que voê pode fazer-se para canalizar melhor suas emoções em suas imagens.
4. Não acomode-se na mediocridade, dê 100% de si
Uma das coisas que conduzem Parke em sua fotografia é evitar a mediocridade e dar-se 100% à sua produção de imagens. Inicialmente Parke iniciou-se como um jogador profissional de críquete, antes de transitar para o foco na fotografia em tempo integral. Parke compartilha sua história:
“Quando ofereci-me para trabalhar no Daily Telegraph e mudei-me para Sydney pensei que ainda era capaz de ensinar e divertir-me nos finais de semana. Percebi depois de minha primeira semana no trabalho que minha carreira esportiva estava acabada — o jornal demandava muito. E se não posso dar 100% em algo, acabou-se. Preciso viver do que faço do momento em que me levanto até quando caio de sono (e daí sonhar sobre isso algo mais). Não pratiquei esporte para ser mediano, pratiquei para ser o melhor que eu poderia ser. Não trata-se de ganhar ou perder, trata-se de ter certeza que você está dando o melhor clique com as habilidades que você ganhou…”
Parke soube que não poderia dar ao críquete e à fotografia seu 100%. Então ele tomou a difícil decisão de deixar o críquete para trás, e doar toda sua energia e atenção à fotografia.
Além disso, ele trouxe consigo o grande ponto de como esportes (e fotografia) não tratam-se de ganhar ou perder, e sim alcançar o melhor que você poderia ter feito, “com as habilidades que você ganhou.”
Parke explica em outra entrevista como está constantemente empurrando seus limites na produção de grandes imagens:
“Definitivamente há um ponto em que você sabe que conseguiu algo especial, mas isso é quando [você está fazendo algo como quando] está usando a câmera, em movimento, ou onde você consiga chance de fazer algo. Você pensa “Esta é uma grande imagem, mas como posso fazer uma ainda melhor?” Frequentemente será algo que eu estava tentando há semanas, que estava trabalhando numa técnica que poderia, de repente, ser utilizada numa determinada imagem. Mas vou forçar, forçar, e forçar, até conseguir isso.”
Parke nunca desiste e nunca se compadece por suas fotografias. Ele não quer criar um trabalho de segunda categoria — ele pretende alcançar o melhor possível para si. E ele sabe, por constantemente forçar-se, que pode chegar a tal. Não apenas isso, Parke tem ambições maiores para impulsionar o gênero fotográfico também:
“Não é suficiente para mim apenas ficar por aí na rua e clicando pessoas — eu preciso também tentar impulsionar o meio fotográfico. Quero criar imagens novas e interessantes em vez de coisas já vistas anteriormente. Isso é algo multicamadas. Não sinto-me nteligente o bastante para ser capaz de montar as imagens. Prefiro vê-las acontecendo ao meu redor, gravá-las e deixar que a sorte tenha uma parte nisso… E quando a fotografia funciona, tem uma espécie de qualidade épica.”
Ponto-chave:
Escrevi num artigo anterior, o The 7 deadly sins of mediocrity in street photography (“Os sete pecados mortais da mediocridade na fotografia de rua”), sobre como ser um grande fotógrafo é simplesmente evitar a mediocridade.
Parke deixa que sua visão pessoal o conduza em sua fotografia — e é constantemente impelido a criar um melhor trabalho. Ele não acomoda-se em seu segundo melhor para si. Quer alcançar o melhor que pode atingir em sua fotografia.
Eu poderia dizer que tenha a mesma filosofia para si. Claro que você pode não tornar-se o próximo Henri Cartier-Bresson ou um Robert Frank, mas pode tornar-se o melhor fotógrafo que você possivelmente pode ser. O mesmo ocorre nos esportes — se você mede pouco mais de metro e meio, nunca vai ingressar na NBA. Mas você pode vir a ser o jogador de basquete mais f*da de seu alcance.
Penso que pode ser perigoso ver a fotografia como algum tipo de competição ou esporte — no qual há ganhadores e perdedores claramente definidos. Podemos cair facilmente neste “esporte” da fotografia fazendo comparativos entre nós pelo número de favoritadas, curtidas, seguidores, comentários, exibições, livros ou prêmios que tivermos.
Mas não compita com os outros com sua fotografia. Compita com você mesmo. Tenha a luta interna que o impele a criar o melhor trabalho possível que você pode realizar. A mais importante pessoa a impressionar é você mesmo. E não se desaponte com sua fotografia, prossiga impulsionando-se.
5. Não fique parado
Nunca conheci Trent Parke, mas baseado em entrevistas que li e fotógrafos que o conheceram pessoalmente — todos o descreveram como incapaz de ficar quieto — e está constantemente ligado. O próprio Parke descreve-se:
“Estou sempre ‘ligado’, sempre desperto, as coisas estão sempre agitando-se na minha cabeça. Acho que já comecei a me acalmar um pouquinho, mas na primeira década que estive nas ruas de Sydney eu era apenas maníaco. Insano.”
Parke comparilha como ele canaliza essa energia em sua fotografia de rua:
“Eis como abordo a fotografia de rua: vigiando tudo. Se penso que algo pode acontecer, sigo ladeira abaixo para lá. Mas na maior parte do tempo estou correndo de um canto a outro da cidade, apenas buscando por material.”
Outro motivo por que Parke descreve como sendo motivo para ele não gostar de ficar parado quando está clicando é não puxar muita atenção para si:
“Também não gosto de ficar parado porque você atrai atenção para você. Nunca fui parado na rua, e isto simplesmente porque ninguém nunca me vê. Estou ali e fui. Se você gasta muito tempo num lugar você tende a começcar a afetar o que está acontecendo à sua volta. E eu quero apenas capturar coisas como elas são sem influenciar a ação de forma alguma.”
Quando por vezes ele não está clicando, Parke constantemente vê fotografias em potencial:
“Você pode ficar por um canto apenas vendo material. Todo o tempo [em que estou vendo] vejo composições vindo juntas. Todo o tempo estou buscando, tudo está parando e formando quadros estáticos. Como pessoas andando pela rua e todo tipo de coisas. Todas pequenas minúsculas, pequenas coisas… Descobri que é bem difícil desligar isso. Estive fora clicando por um par de dias, não posso dormir por dias ao final porque minha mente ainda está correndo a centenas de milhas por hora.”
A fotografia está profundamente inserida em seu corpo e sua mente, e o mantém na ativa:
“O mundo fabricado é o que mais me interessa: a massa de pessoas, a luz dramática dos prédios. Isso me hipnotiza: deixa eu sangue correndo. Tem muita coisa acontecendo na rua. Você não tem como saber o que virá em seguida.”
Ponto-chave:
Trent Parke é um fotógrafo que está sempre pensando sobre fotografia, sempre clicando, e não pode ficar parado. Ele incorpora a alma da fotografia — e isto não é apenas sua paixão, é quem ele é como pessoa.
Nem todos nós temos o traço de personalidade de Trent Parke para estarmos constantemente ligados. Alguns de nós somos mais quietos.
Não temos toda a necessidade de imitar Trent Parke em termos de maneirismos e estilo de cliques. Mas creio que o que eu pessoalmente aprendi dele foi que você não tem como tornar-se um grande fotógrafo simplesmente sentando-se e pronto. Você precisa constantemente estar pensando sobre fotografia, e clicando por aí para criar grandes imagens.
Eu costumava ser vítima de uma imensa perda de tempo no computador e um gasto insuficiente de tempo rua afora batendo fotos. Criei pretextos dizendo que meu equipamento não era bom o bastante ou que eu não tinha tempo suficiente. Mas eram apenas pretextos — eu só precisei sair e clicar. Ficando parado você nunca vai alcançar a grandeza — e isso certamente tanto na vida quanto na fotografia.
6. Simplifique suas cenas
Uma das coisas mais difíceis na fotografia de rua é fazer sentido em meio a todo o caos. Parke também identifica esse problema, e compartilha sua solução. Ele simplifica suas cenas, com o uso de suas luzes, sombras e contrastes.
“Dream/Life era realmente sobre encontrar a mim e meu lugar na vida. Eu queria apresentar uma versão mais verdadeira de Sydney — com um bocado de chuva e trovoadas, e as características obscuras que permeiam a cidade — não as visões de cartão postal que o resto do mundo vê. Mas também queria produzir imagens que fossem poéticas. O problema era que a cidade estava realmente muito feia, em termos de quantidade de anúncios e porcarias visuais que bagunçam as ruas. Pensei que poderia clarear a imagem utilizando a severa luz do sol australiano para criar áreas de sombra profunda — essa luz lancinante que faz tanto parte de Sydney —, ela simplesmente metralha as ruas. Então usei essas sombras para ocultar um monte de propagandas e tornar as imagens mais negras e mais dramáticas. Queria lembrar um mundo de sonho. A luz faz isso, transformando algo corriqueiro em algo mágico.
Ponto-chave:
Um dos enganos comuns entre os fotógrafos de rua iniciantes é o de que suas cenas são muito cheias e desordenadas. Há cabeças demais no quadro, fundos confusos, carros feios etc.
Uma boa maneira de simplificar suas cenas é usando a luz em seu proveito: clicando e criando sombras fortes fotometrando por suas altas-luzes (algo que pode facilmente fazer com uma medição pontual [spot-metering]). Você também pode clicar seus motivos contra fundos mais simples e enquadrar mais apertadamente para remover poluição de seus cliques. Pode ainda utilizar flash para enfocar mais seu sujeito principal — e sombrear o fundo que pode ser distrativo também.
fotos via Hugo Michell Gallery / dica do texto: Cristiano Freita
seguir para a parte 2
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