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Takuma Nakahira (1938-2015) e os instantes constantes
Se a gramática da fotografia de rua teve em Cartier-Bresson seu mestre, não seria exagero dizer que a linguística seria representada pelo fotógrafo japonês Takuma Nakahira, falecido no início de setembro do ano passado. Nakahira san foi um dos mais complexos fotógrafos japoneses do período do pós-guerra, co-fundador do (quase) mitólogico coletivo Provoke (1968-1970) em fins dos anos de 1960, amigo e influência de Daido Moriyama, uma das grandes referências da fotografia urbana mundial. Até uma década atrás, Nakahira san era praticamente desconhecido fora do Japão – a não ser entre os estudiosos e aficcionados por Fotografia na Ásia – como afirmou o historiador norte-americano Franz Prichard: “Talvez ele seja o fotógrafo japonês mais importante do qual você nunca ouviu falar.”
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Desde que comecei a me interessar por Fotografia/fotografar, Nakahira san foi uma das minhas principais referências. Nascido em Harajuku na capital japonesa, ele graduou-se em língua espanhola em 1963 na Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio e logo depois começou a trabalhar como editor de um periódico mensal de esquerda chamado Gendai no me (“Olhares Contemporâneos”), a partir daí a Fotografia passou a fazer parte inseparável de sua vida. O Japão de meados dos anos 60 era uma nação em ebulição, não só econômica mas também cultural e urbana, que tinha em sua força motriz a geração nascida durante ou no imediato pós-guerra.
O jovem Nakahira foi um dos primeiros a pensar o espaço urbano como um local de “circulação, visão e poder” em suas próprias palavras. Decodificar o espaço urbano em uma linguagem representativa da sua visão, ou melhor, da relação entre o olhar e a câmera, tornou-se para ele uma obsessão. Entre os anos de 1965-66, seus anos de formação no universo fotográfico — incentivado por nada mais nada menos do que outro grande fotógrafo japonês, Shomei Tomatsu (1930-2012) — o jovem Nakahira conheceu Daido Moriyama, quando trabalhavam juntos em uma série de fotografias (pré- Provoke era) para ilustrar o ensaio Machi ni senjo ari (“As ruas são um campo de batalha”) do poeta e escritor Shuji Terayama. As imagens produzidas por Nakahira, e também Moriyama, expunham de maneira crua e até certo ponto inovadora, a partir de texturas e enquadramentos convulsivos únicos a capital japonesa com os seus pesadelos e devaneios, levando ao limite o nosso olhar na tentativa de buscar referenciais não só imagéticos, mas cognitivos. Os anos que se seguiram até meados de 1970, marcaram o período de mais intensa e criativa produção teórica e pictórica do fotógrafo.
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A radicalização estética (forma e conteúdo) da fotografia urbana monocromática, foi inspirada pelas inovadoras imagens de rua produzidas pelo fotógrafo norte-americano William Klein em meados da década de 1950, a partir de fragmentos de realidades materiais, na maioria das vezes produtos de snapshots contundentes, que não buscavam captar o real, o belo, o lúdico, mas decodificar a cidade ao aproximar e fundir “a ideia de” com uma subjetividade (quase) orgânica representante da sensação fluída de estar em um espaço urbano em transformação. Tarefa que mostrou-se angustiante, senão quixotesca e levada ao limite mesmo de formas diferentes, mas conexas em suas obras Kitaru beki kotoba no tame ni (“For a Language to Come”, 1970) e na sua histórica instalação fotográfica “Circulation: Date, Place, Events” na Bienal de Paris em 1971. Culminando em 1973 com uma coleção de ensaios intitulada Naze shokubutsu zukan ka (Why an illustrated botanical dictionary?), no qual Nakahira san questiona a própria obra, rejeitando o estilo e todo o universo estético monocromático (“contrastado, granulado e desfocado”) do coletivo Provoke. Na mesma época, após sofrer um colapso nervoso, o fotógrafo destruiu todos os seus negativos, queimando-os (!). Excentricidade ou negação estética?
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Suas fotografias, principalmente do período 1968-1972 são densas, quase palpáveis, mas ao mesmo tempo “vazias” em um primeiro olhar, produto de uma busca interna refletida em um espaço urbano em transformação e de um contexto histórico que possibilita diálogos (infinitos?) entre o ato de fotografar e o modo de pensar Fotografia. A perenidade da sua obra está presente no diálogo entre Nakahira san, a câmera e o espaço urbano à sua frente como se o produto dessa tríade — separada por natureza — se condensasse não em um instante decisivo (isto não existe…) mas em repetições de instantes ad infinitum em um mesmo frame. Arte? Linguagem? Ou “simplesmente” fotografia de rua?
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Seria possível hoje (2010’s) fugir da mesmice dos clichês da fotografia de rua/urbana buscando uma nova linguagem? Para iniciar essa tentativa podemos começar com a questão inicial proposta por Nakahira san ainda no início dos anos 70: “O que é uma câmera?”.
Impossível ficar imune ao impacto não só estético mas “linguístico” da sua obra. Estas linhas são apenas um “aperitivo” sobre os já não tão desconhecidos — fora de terras nipônicas — pensamento e prática fotográfica do mestre Takuma Nakahira. Se ficou interessado, dê uma olhada nos links a seguir:
Tag:japonês, Takuma Nakahira