
Sophie Calle e a nossa vida alheia
Influência, realidade, exposição, privacidade, presença… temas muito modernos? Para Calle não.
Muito antes dos influenciadores digitais e das notórias celebridades, uma artista transpôs em suas obras reflexões antes pouco exploradas artisticamente — ou apenas superficialmente por artistas como Andy Warhol — sobre fama, exposição e privacidade. Em 1981, dez anos antes de Tim Berners-Lee publicar suas ideias para o que se tornaria a internet atual, a multiartista francesa Sophie Calle já planejava, por exemplo, La filature. Para esse projeto ela colocou-se como alvo de uma perseguição à la paparazzo: um detetive (contratado por sua mãe) a seguia e registrava, especialmente em fotos, para onde ela ia e o que fazia. Por sua vez, às fotos somaram-se narrações dela própria, do detetive e de um amigo seu.
Embora Calle utilize a fotografia em suas ideias mais como apoio a seus escritos — e escritos de outros, especialmente — , é inegável a participação das imagens, inclusive em vídeo (irmão da fotografia). E em todos projetos pode-se notar exatamente a temática da nossa imagem, como os outros nos vêem e como nos vemos, exterior e interiormente. Se pararmos pra pensar, não é tão diferente do que temos hoje em dia em tempos de redes sociais digitais e produção fotográfica frenética: temos uma visão sobre nós mesmos, temos o olhar daqueles que nos conhecem, e como os outros em geral nos enxergam (quando enxergam).
Calle, no entanto, não apenas adiantou-se aos tempos como não foi ingênua ao colocar-se não apenas como motivo de relatos alheios: com a consciência de seus observadores atentos, ela, querendo ou não, manipulou o que seria captado. E foi além decidindo o que seria mostrado e deduzido. Como ela anotou: “Um homem está me esperando na rua. Ele é um investigador particular. Ele é pago para me seguir. Fiz com que ele pagasse para me seguir e ele não sabe disso.” Como não lembrar de nossos perfis de imagens meticulosamente selecionadas e legendas de meias-verdades, por vezes em contas que sequer são públicas? Nossos seguidores e stalkers, assim como o detetive de Sophie Calle, podem ser ao mesmo tempo espectadores e participantes/editores em nossas narrativas finais.
Teria a fotografia mudado tanto quanto dizem, ou foram apenas nossas câmeras — e nós estaríamos menos inocentes?
Vale ainda conhecer outros projetos de Calle, dos quais mostro algumas imagens:
via Obvious, Revue Textimage, Nítida Fotografia, South China Morning Post