Sarah Elliott e as clínicas ilegais de aborto
Falemos deste (imenso) problema que é o aborto praticado em más condições
Disse Eric Hoffer em The true believer: “Só podemos ter certeza absoluta das coisas que não compreendemos.” Falar do aborto, portanto, exige cabeça fria, autocrítica e — tão importante quanto tudo isso — empatia e dados que nos guiem na discussão. Some-se a isso tudo alguma disposição a encarar diferentes ideias e teremos uma discussão sadia. Eu sei, aborto não é uma questão assim tão simples, mas a fotografia documental é uma das peças que podem ajudar-nos a montar o quebra-cabeças que é a solução e o máximo consenso possível (já que a concordância total não é).
Um fato: o teórico impedimento legal — que na prática não impede o ato, apenas o marginaliza — prejudica a todas classes sociais, seja impedindo acesso fácil a procedimentos mais seguros; seja negando as devidas avaliações e assistências especializadas. Mas, como era de esperar-se, provoca danos especialmente às mães e famílias menos abastadas. Todas abortam, a um ritmo de pelo menos 850 mil ao ano só no Brasil, segundo dados de 2014. Por outro lado, a legalização mais aberta (e não apenas em casos excepcionais) parece apontar para uma maior desistência na realização de procedimentos nesse sentido, apesar de outros dados apontarem para um maior número de interrupções.
Dados, contradições e discussões à parte, sejam ‘pró-vida’, científicas ou religiosas sobre o que é e quando começa a vida, existe uma terrível consequência da ilegalidade do aborto e a subsequente falta de suporte do Estado na questão: a existência de clínicas de aborto totalmente ilegais. Por totalmente ilegais entenda-se tanto pelo fato de estarem à margem das leis vigentes onde encontram-se, quanto à insalubridade e a insegurança evidentes em tais locais, que põem em risco as cidadãs gestantes e suas famílias. A série Poor choices (‘Más escolhas’, numa das possíveis traduções) da fotógrafa Sarah Elliott procura mostrar com crueza e sem maiores rodeios, a partir de imagens clicadas no Quênia, a terrível combinação de toda a falta de suporte com a ausência de condições sociais favoráveis (especialmente financeiras) que poderiam driblar, mesmo que ilegalmente, os entraves para um tratamento mais humano.
As imagens, devo ressaltar, podem ser fortes para alguns, então recomendo alguma cautela. Penso, no entanto, que o tema não oferece espaço digno e honesto para uma apresentação menos perturbadora.
Mais fotos desta e outras séries produzidas pela fotógrafa podem ser vistas em seu site.
Agradecimentos especiais a Carolina Bataier e Marcela Ortolan
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Fontes/links indicados:
Blog Dislexicamente (de Carolina Bataier): Ela não quis
Ano Zero: Pequeno guia para formar opinião sobre o aborto
Ano Zero: Tentando entender a questão do aborto
O Globo: Tabu nas campanhas eleitorais, aborto é feito por 850 mil mulheres a cada ano
Terra: Uruguai: após legalização, desistência de abortos sobe 30%
Revista Espaço Acadêmico: Aborto: trinta anos de legalização
Revista Galileu: Entenda como funciona o aborto no Brasil e no mundo
Tag:aborto, atualidades, clínica, feminismo, Legislação, Lei, mulher, Sarah Elliott