Que a sorte nos encontre trabalhando
A frase que dá título a este artigo teria sido dita por Pablo Picasso, não exatamente com essas palavras, a frase dele seria algo mais ou menos assim: “tudo que posso fazer pela sorte é que ela me encontre trabalhando”.
Vi algumas variações para essa sentença, mas que de forma geral tem o mesmo significado, e atribuídas ao grande mestre da pintura cubista.
Do momento em que a li resolvi carregá-la como lema, algo para pensar e refletir sempre que estivesse cansado ou desanimado, com a idéia de que se mesmo nas situações mais irritantes ou tediosas do dia a dia eu continuasse trabalhando e seguindo em frente, a sorte de alguma forma cruzaria o meu caminho.
E vejam que recentemente tive uma prova de que este pensamento, quase que uma crença, de fato é verdadeiro.
Eu andava cansado do trabalho, tive uma longa sequência de serviços repetitivos, pois foram várias encomendas parecidas, todas com muitas fotos de produtos a serem fotografados sobre fundo branco e com poucas variações. Parecia que ao longo dos últimos quatro meses eu tinha feito sempre a mesma fotografia, todos os dias, várias vezes por dia, sempre a mesma coisa. Quase sem pausas para finais de semana ou feriados.
Essa longa série de trabalhos tem seu lado positivo, que é o financeiro, mas tem diversos pontos negativos como cansaço, desânimo, estresse e principalmente no bloqueio criativo, pois ao realizar tantas a mesma coisa você acaba se tornando um robô que faz tudo de forma automatizada. A criatividade acaba ficando de lado e um fotógrafo sem criatividade é a mesma coisa que nada.
Sentindo os efeitos disso tudo entreguei a última foto desses trabalhos no dia seis de setembro. No dia sete, que é feriado aqui no Brasil, sob uma chuva constante, um frio desagradável e um dia tediosamente nublado, acordei cedo e fui fotografar e filmar para mim mesmo em um parque. É isso mesmo, sob frio, chuva e vento, mas eu precisava fazer isso, tinha que fazer algo para mim, que desafiasse meu cérebro, que acordasse minha criatividade que andava em estado de hibernação.
O vídeo que ilustra este artigo é o resultado daquele sete de setembro chuvoso. Logo ao chegar no parque percebi que Pablo Picasso tinha razão, a sorte estava cruzando meu caminho e me encontraria ali, trabalhando sob a chuva. As flores estavam belas e sorridentes com a água que caia dos céus depois de quase cinquenta dias de seca que ocorreram nesta cidade, estava com sorte.
Andei pelo parque colhendo diversas cenas, gotas d’água caindo aqui e ali, bancos vazios mostrando a solidão do belo parque que num dia como aquele não se mostrava interessante para o público em geral.
Eu sempre protegia o equipamento da chuva mas fui ficando todo molhado e com frio, não estava realmente me importando com isso, estava feliz sentindo que produzia algo de qualidade. Buscava em minha cabeça referências artísticas que iam de Monet a Kurosawa enquanto trabalhava e esquecia do frio.
Num dado momento percebo uma mulher andando, a única pessoa naquele parque além deste fotógrafo que vos escreve, ela caminhava lentamente e observava a paisagem. A vi de longe, portava um guarda chuva rosa contrastando com o cenário verde. Corri para um ponto que daria uma vantagem de tempo para preparar a câmera e ajustar o enquadramento.
Esperei ela passar com o guarda chuvas refletindo nas águas do lago, com passos num ritmo cadenciado e calmo. Eu não acreditava na cena que acabara de captar, parecia algo saído de um filme de Kurosawa, que é um grande ídolo que tenho, uma forte referência junto a outros grandes cineastas.
Voltei para casa após quase quatro horas de trabalho molhado, descarreguei os arquivos da câmera e comecei a editar o vídeo adicionando a trilha sonora. Neste momento veio minha maior surpresa.
Os passos da mulher com seu guarda chuva coincidiam com a música, a cada nota mais forte do piano um passo e assim seguia por quase toda a cena, num dado momento ela muda de ritmo e a música segue para outro caminho distanciando-se, ela para, observa uma árvore, e ao continuar andando, volta ao ritmo da música.
A sorte definitivamente tinha me encontrado. Nada disso foi combinado, eu sequer sabia exatamente qual trilha sonora iria utilizar no momento em que captava as cenas, no entanto tudo funcionou e se encaixou perfeitamente.
É por isso que Pablo Picasso tinha total razão, a única coisa que podemos fazer pela sorte é que ela nos encontre trabalhando, nem que seja quando estamos cansados, estressados e ainda por cima com frio e completamente encharcados pela chuva.
Nos vemos no próximo artigo, grande abraço a todos.
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