
Quando a técnica não tem a menor importância na sua fotografia
É natural a gente se preocupar com a qualidade de nossas fotografias, bem como dar extrema importância ao kit de equipamento que temos, ou desejamos ter — e não podemos deixar de citar também a técnica. Às vezes temos medo de não conseguirmos capturar um material bom o suficiente para entregar aos nossos clientes, independente do motivo.
Mas, no fundo, aquele bem delicado que costuma despertar bem na hora de dormir, nós sabemos exatamente a qualidade do material registrado.
Você, autor de suas fotografias, sabe melhor que qualquer pessoa ou fotógrafo do planeta da qualidade das fotos que faz pra si mesmo e/ou seus clientes. Você sabe quando fez um ótimo trabalho e quando fez um trabalho na média, e somente você sabe das situações que enfrentou para conseguir aqueles registros. Pode tentar mentir o quanto quiser e pra quem você quiser, mas todo mundo sabe que não vai adiantar negar para si mesmo.
Outra coisa também que não adianta é ficar tentando se justificar de alguma coisa, pra si mesmo ou pra alguém, independente do resultado, porque isso é somente uma forma de tentar encontrar conforto naquela situação. Mas ninguém tem que procurar esse tipo de conforto, você tem que simplesmente sentir-se confortável, e então você poderá ter certeza em tempo real do que você está fazendo.
Tenho certeza de que muita gente já passou por uma situação semelhante a que vou contar agora. Você tem duas imagens sobre o mesmo tema, vamos dizer que é uma foto de dois verdadeiros amigos se abraçando e você pode ser qualquer um deles: o fotógrafo ou um destes amigos.
A primeira foto está um pouco desfocada, o enquadramento não está perfeito e consequentemente a exposição também não ficou perfeita, entretanto a imagem captura e transmite emoção, sorrisos verdadeiros e um real clima de amizade. Já a segunda foto está, ao contrário, tecnicamente perfeita, porém as emoções e a energia do momento já estão de saída.
As únicas vezes em que eu me recordo da foto tecnicamente perfeita ter sido escolhida foi nas vezes que as duas imagens poderiam ser escolhidas, porque todas as vezes que só podia escolher apenas uma, a foto com mais emoção e energia era selecionada. Ocasionalmente já me ocorreu também de, antes da entrega final o cliente pedir pra incluir uma imagem que foi feita por alguém, pelo celular, durante o evento, algumas até para álbum. Mesmo eu alertando que a resolução da imagem não era muito boa, os clientes não se importavam com isso. Apenas queriam a foto, seja pela pessoa que tirou ou pelas pessoas que apareceram na foto.
Não estou dizendo que devemos fazer fotos ruins. Não! Muito pelo contrário. A verdade é que se você sabe fotografar, a técnica já está embutida em você. Quando você está andando, cada passo parece ser automático. Você não pensa em cada movimento, por exemplo: perna esquerda pra frente e braço direito pra trás; perna direita pra frente e braço esquerdo pra trás. Andar pra você é automático, pois você sabe como andar e não precisa se preocupar tanto com isso. Tanto que enquanto você anda geralmente você está pensando, está conversando, observando ou fazendo inúmeras outras coisas ao mesmo tempo. E isto se aplica pra tudo: pentear os cabelos, escovar os dentes, cozinhar, dirigir e, por que não, fotografar!
Se o ambiente tem muita variação de luz, você pode sim, tirer a câmera da configuração manual e trocar para qualquer outra configuração que facilite o seu trabalho. Não é porque você está utilizando a câmera de forma automática ou semi-automática que você é melhor ou pior que os outros fotógrafos ou que a sua foto sairá pior ou melhor que as outras. Desde que você faça as coisas com consciência e bom senso, você pode utilizar até mesmo equipamento de kit básico. Enquanto você está preocupado em fazer bonito, tem várias outras coisas acontecendo e você está perdendo o tempo de todas elas. Numa corrida de 60 voltas, você pode ficar em primeiro nas primeiras 59 voltas, se na última você ficar em segundo, você não será o vencedor. No futebol não importa se foi gol contra, de cabeça ou o mais bonito do ano, a equipe vencedora é a que marca mais gols. Na fotografia, não importa quantas lentes você tem e o quão caro o seu equipamento é, o que importa é você satisfazer o desejo e/ou a necessidade do seu cliente (ou pra quem você estiver fotografando, incluindo você mesmo).
Eu disse tudo isso pra tentar conduzir todo texto a uma ideia: você tem que curtir o seu trabalho um pouco mais. Uma das minhas melhores experiências na fotografia foi justamente quando eu comecei a fazer isso. No início da minha carreira eu me preocupava muito com a técnica e me submetia muita pressão desnecessária (o que é normal durante o processo de aprendizagem). Você jamais vai saber de tudo, mesmo assim todo profissional chega num ponto em que o aprendizado fica tão específico que consequentemente fica também mais demorado. É aquela ideia de que quanto mais você sabe, menos você sabe.
Geralmente é neste ponto que as pessoas adquirem autoconfiança o suficiente pra dar menos importância ao caminho dos outros e começar a traçar o seu próprio. Eu mesmo no começo fotografava para os meus clientes, para mim e ao mesmo tempo fotografava para outros fotógrafos, tudo num mesmo evento. E quanto a estes outros fotógrafos que eu disse agora há pouco, ao contrário do que muitos devem ter pensado eu não me referia somente ao fotógrafo contratante (para os quais eu fazia freelance): eu me referia a todos os fotógrafos que eu tinha contato. A atenção deles era importante pra mim, bem como suas críticas e elogios, pois antigamente eu tinha medo de fotografar errado. Quando eu comecei a me soltar um pouco mais, a me livrar daquela pressão, mas sem me livrar da responsabilidade, compromisso e qualidade, as minhas fotografias deram um salto enorme.
Sabe aquele visor que fica atrás câmera e toda vez que você faz uma foto ela aparece? Eu quase nem olho mais pra ele. A partir do momento que a minha câmera está configurada e as condições de fotografia do local não se alteram, são duas preocupações a menos pra mim: rever foto e preocupar-me com a configuração. Ao invés de focar os meus olhos no visor e a minha mente na câmera eu presto atenção no que está acontecendo à minha volta, olho para as pessoas nos olhos, vejo muito mais coisas acontecendo e, consequentemente, crio mais e mais livre e naturalmente.
É como chegar em casa após as compras, com as mãos cheias de sacola e você ainda tem que encontrar um jeito de abrir a porta de casa. Mas uma vez que você já está na porta de casa, você pode deixar algumas sacolas do lado de fora, abrir a porta tranquilamente e depois voltar para pegar o restante, o que vai tornar o seu trabalho mais suave. A próxima peça do dominó a cair são fotos sequenciais, que são raras pra mim. Uma vez que eu estou conectado com as energias à minha volta, a minha precisão em canalizar todos aqueles cliques em apenas um é maior do que deixar a sorte sequencial acertar o momento exato.
As consequências desse desapego são incalculáveis, tanto profissional quanto pessoalmente. Principalmente nos dias atuais, em que estamos acostumados a ver tudo diante de uma tela, conseguir olhar através dela é a mesma sensação de girar o anel de foco: aquilo que antes era confuso e embaçado se torna claro e nítido. Você passa a ver as pessoas com mais essência, os movimentos ficam quase em câmera lenta e a sua satisfação própria vai aonde a sua imaginação permitir.
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