Onde estão os inquietos?
Acho que estou ficando velho, talvez rabugento, e em virtude desta percepção, resolvo aqui propor uma discussão. Nenhum dos artigos que escrevi até o momento, seja aqui no FotografiaDG ou em todos os sites e revistas com os quais colaborei, precisou tanto de opiniões e comentários como este, assim peço a opinião de todos para aquilo que irei escrever abaixo.
Antes vou contar uma história, a minha. Quando comecei a fotografar elegi meus ídolos, entre eles estavam Philippe Halsman com sua espetacular foto Dali Atomicus ou seus belíssimos retratos em capas da revista Life, ali estavam as pinturas de Salvador Dali e seu surrealismo que para mim era como mágica pintada em tela, também estava um filme que até hoje é meu mantra visual, 2001, de Stanley Kubrick, e suas composições que conseguiam ser planas e profundas ao mesmo tempo, com sua luz que conseguia ser chapada e contrastada ao mesmo tempo, entre outras referências.
Em todas as minhas referências eu não questionava se Kubrick filmava com 35 mm, Super 35 mm, com uma Arri ou Panavision. Pouco me importava se Dali pintava com óleo ou acrílica e tão pouco ligava para se Halsman iluminava com flash ou luz contínua, se era médio formato ou 35 mm. Minhas dúvidas se relacionavam às idéias, como elas tinham surgido, como foram possíveis, como aquela estética surgiu, de onde vinha a criatividade.
A técnica sempre me pareceu algo dentro do reino das obviedades, algo que com treino, tentativas, erros e um pouco de estudo, cedo ou tarde seria dominada. Saber os diafragmas, os filmes, o ISO, os formatos de câmera, as funções de cada botão do equipamento etc., isso existe em livros, em manuais etc., mas a estética e a idéia, onde elas estavam?
Essa era minha inquietação quando comecei e ainda é hoje. Ela me faz ir a museus e ficar olhando pinturas, faz ir ao cinema para ver como textos, roteiros e falas viram imagens poéticas, me leva a ver o trabalho de outros fotógrafos e tentar compreender de onde surgiram as idéias. O como foi feito é detalhe, nada que treino, estudo e muitas tentativas não resolvam, mas o máximo que isso me traria seria conseguir copiar a técnica, mas jamais me traria uma idéia tão boa quanto a original. Esse sou eu, um sujeito inquieto e curioso sobre a estética, a harmonia, a criatividade e as idéias.
Além de atuar diariamente como fotógrafo e cinegrafista, sou professor de fotografia e vídeo nas escolas Riguardare, Instituto Internacional de Fotografia e Instituto Candela, e sou colunista e colaborador aqui do FotografiaDG e da revista Digital Photographer Brasil.
Dentro desse mundo, o de quem ensina e escreve sobre o assunto, além de viver dele, considero que tenho uma responsabilidade imensa para com quem quer aprender, para com aqueles que entram em sites e compram revistas buscando conhecimentos dos mais diversos, sejam eles dentro do universo da técnica ou das idéias.
Essa responsabilidade é grande pois se falar ou escrever uma bobagem, terei de alguma forma feito muita gente acreditar que aquela bobagem tem valor ou pertinência, daí a necessidade de me manter atualizado, estudando, pesquisando, debatendo com alunos e colegas de profissão sobre tudo o que cerca nossa atividade, e de manter uma mente aberta para as artes, manifestações culturais, questões sociais e tudo aquilo que compõe o mundo ao nosso redor.
É verdade que manter a mente aberta não significa aceitar ou concordar tudo o que vejo, isso inclui muitos auto proclamados artistas que em minha opinião produzem muito lixo embrulhado em belos discursos, mas essa parte é assunto para outro artigo em outra oportunidade. Só devo dizer que em todos os tempos, inclusive os atuais, sempre há muita coisa boa sendo produzida, e muita porcaria.
Voltando ao ponto, dessa noção de responsabilidade, unida à minha natural inquietação sobre a criatividade, surgem vários questionamentos e inconformismos e colocarei alguns deles aqui:
1 – Não consigo me conformar quando fotógrafos sem experiência nem aprendizado em didática se propõe a oferecer cursos e workshops por aí, pois ensino não deveria ser apenas uma questão financeira e sim uma questão de responsabilidade social e cultural. Quem ensina o que mal sabe está fazendo um mal à sociedade e está ignorando as responsabilidades que assumiu como formador de opinião e propagador de informações.
2 – Igualmente não consigo me conformar quando escolas de fotografia aceitam oferecer cursos e workshops que apenas propagam obviedades que seriam encontradas gratuitamente na internet ou folheando o manual da câmera ou ainda perguntando para um colega mais experiente. Esses cursos apenas tiram dinheiro de pessoas desinformadas. Um curso básico ou uma publicação voltada a iniciantes nunca deveria se contentar em apenas dizer qual botão faz o quê e qual regrinha de composição deixa algo mais ou menos estético, desde o básico as pessoas deveriam ser incentivadas a ver além e buscar se aprofundar. Um bom curso básico ou uma boa revista voltado a iniciantes deve falar de regra dos terços sim, mas deve dizer de onde ela veio e mais importante, que existem milhões de outras formas de harmonizar uma imagem. Devem dizer qual botão faz o que? Sim, mas devem também falar das relações disso com a luz, com a arte e com a estética. Ditar regras é fácil, qualquer ditador faz isso, por outro lado fazer refletir, pensar e se inquietar com as coisas, essa é a função e responsabilidade de professores, escolas e publicações.
3 – Jamais vou entender as pessoas que buscam cursos querendo apenas saber qual botão faz qual coisa em suas máquinas sem sequer fazer testes para saber o efeito de tal botão numa imagem. Não sei se essas pessoas são vítimas de cursos e publicações equivocados como os descritos em minhas perguntas 1 e 2, ou se são apenas preguiçosos. Mas aí repito, a função do educador, orientador e de quem resolve escrever e publicar sobre o assunto é ir além para provocar a inquietação, se conformar com a preguiça ou com a falta de preparo alheia é errado.
4 – Por quais motivos tanta gente se ofende com um comentário negativo sobre uma foto na internet ou mesmo em sala de aula? Qual a razão de pessoas buscarem tanto elogios fáceis, maternais e se negarem a receber negativas sobre sua obra, mesmo que sejam iniciantes recebendo feedback de pessoas experientes? Faça um teste e critique educadamente mas severamente uma foto que você tiver achado muito ruim de alguém e veja a reação da pessoa. Sites como Flickr, Orkut e Facebook viraram um mar de elogios fáceis a absolutamente tudo que ali é publicado e quando alguém levanta a voz para uma crítica, por mais suave que seja, é confrontado com argumentos do tipo “isso é questão de gosto”. Não, não é questão de gosto, a crítica artística vai muito além do gostar e não gostar, qualquer um pode não gostar de algo e entender o valor artístico, ou gostar de algo que sabidamente não tenha valor nenhum, no entanto no mundo internético pare difícil o ato da crítica ser entendido sem que o criticado ache que é questão pessoal, ou de um simples gostar/não gostar.
5 – O que leva tanta gente a se preocupar se um fotógrafo fez uma foto com câmera de marca X ou Y, se ele usou um obturador assim ou assado, se usou ou não usou o photoshop, e tão pouca gente perguntar qual deve ser o histórico cultural daquele fotógrafo que o levou a ter aquela idéia?
6 – Por que é tão complexo para a maioria das pessoas entenderem que grandes obras só nascem de grandes esforços e não de coisas simples que um truque pronto resolva? Lembrando que Picasso chegava a fazer 300 esboços para um quadro e que Kubrck chegava a rodar uma mesma cena 100 vezes para tirar o máximo de seus atores, então por que tanta gente acha que fotografando uma vez por semana, tendo uma aulinha aqui e ali, usando um preset de Lightroom e postando suas fotos no Facebook estaria produzindo grande arte a ponto de não poder receber críticas ou não perceber que precisa ir mais fundo em seus estudos e pesquisas? O que impede as pessoas de ir além, estudar, ler, praticar mais e sofrer um pouco para poder colher resultados realmente satisfatórios?
A fotografia, como qualquer arte, para obter grandes frutos, necessita de grandes esforços, que incluem estudo e treino. Grandes fotos não nascem do acaso, não nascem do qualquer, e sim do preparo, do olhar aguçado, da soma de técnica e estética, do controle da luz, da interpretação da luz para que a mensagem seja levada adiante.
Não consigo pensar nessas perguntas sem lembrar da caverna de Platão e daquele único sujeito que conseguiu sair da caverna e ver a origem das sombras. Afinal, qual a razão para apenas um querer ver além da sombra?
Assim gostaria que meus amigos, leitores, colegas e alunos que passam por aqui, poderiam tecer seus comentários sobre as perguntas que fiz acima? E também à pergunta título, onde estão os inquietos?
Nos vemos em breve,
[]’s
Armando Vernaglia Jr.
www.vernaglia.com.br
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