O desafio de narrar através da fotografia documental
Ao mesmo tempo em que se constitui como uma das ferramentas mais simples e poderosas para contar histórias, a fotografia documental é também uma das modalidades mais desafiantes da fotografia. Pela sua própria natureza, esse tipo de registro impõe pouco ou nenhum controle sobre o assunto fotografado, exigindo do fotógrafo a capacidade de enxergar um instante valioso e pensar em sua composição no momento decisivo em que está acontecendo. Segundas chances escapam junto às situações passageiras que desaparecem em um piscar de olhos. Para contar, através de imagens, histórias geralmente reservadas às palavras, o ideal é prever aquilo que se quer dizer. E estar preparado para tal.
Corey Arnold.Como grande trunfo, a fotografia documental carrega em si a característica de ser direta como mensagem e, consequentemente, eficiente como um meio de trazer assuntos despercebidos para a mirada do público. Mas, antes de empunhar a câmera, convém refletir a respeito do tema a ser explorado. Fazer uma breve pesquisa é útil não apenas para antecipar aquilo que se espera da sessão de fotos, mas também para entender qual é a melhor maneira de representar o assunto em questão.
Uma única foto ou uma série delas? Luz natural ou flash? Imagens finalizadas em preto e branco ou em cor? Quais são as inspirações ou referências que despertam o interesse em determinado tema? Como o assunto é percebido pelo fotógrafo e como poderia ser percebido por outras pessoas? A maneira que cada um possui de interpretar o mundo é única, rica e imprescindível, e a preparação entra, antes de qualquer coisa, como um quesito importante para manter a coerência das fotos, independentemente do olhar que as enquadre.
Cabe ressaltar ainda que o trabalho da fotografia documental vem embutido de certa responsabilidade. O caráter de representação de um recorte da realidade faz a decisão de retratar o que está na frente das lentes recair inteiramente sobre as mãos do fotógrafo, o que torna, por vezes, aquilo que é deixado de fora da imagem tão importante quanto àquilo que a compõe.
Uma vez decidido o tema e a maneira de representa-lo, é preciso se assegurar de estar munido com o equipamento adequado. Para os propósitos da fotografia documental, menos costuma ser mais na maior parte das vezes. Excessos no tamanho e na quantidade de equipamentos chamam a atenção para o fotógrafo e podem roubar a espontaneidade das cenas.
Além da discrição, vale lembrar que muitas das situações exploradas por esse tipo de fotografia demandam facilidade de locomoção. Apenas o corpo da câmera e uma ou duas lentes geralmente são suficientes para dar conta do recado, e as teleobjetivas tendem a ser reservadas para o registro do espaço, da paisagem ou para a eventualidade de o assunto estar muito distante.
Quando não é esse o caso, e o tema se encontra focado em pessoas, a escolha dos equipamentos é meramente um dos vários elementos a se levar em consideração na hora da abordagem. Em uma divisão um tanto simplista, o registro de pessoas é caracterizado pela decisão do fotógrafo de se passar despercebido, com o intuito de capturar fotos completamente naturais, seja “escondendo-se” ou disfarçando o clique, ou de ficar, de fato, cara a cara com os indivíduos e apresentar-se.
Em qualquer uma das circunstâncias, é importante frisar que a valorização das pessoas e sua representação digna deveriam estar sempre em mente no ato da fotografia documental. Pedir permissão, quebrar barreiras, trocar ideias e garantir que as pessoas estejam confortáveis são meios de abrir portas para a colaboração e tornar as imagens as mais naturais possíveis.
Seja qual for o assunto escolhido, a documentação através da fotografia costuma se beneficiar da paciência e do tempo. Esperar alguns minutos, horas ou dias a mais pode fazer a diferença para a realização da foto que se deseja registrar. Diferentes ângulos, enquadramentos e detalhes também acrescentam perspectiva e contexto ao conjunto final de imagens selecionadas para transmitir a ideia que se quer contar.
Acima de tudo, narrar através da fotografia documental exige, como a maior das preparações, a formação de um olhar fotográfico vigilante e capaz de enxergar profundidade e significado em cenas e momentos que definem uma história. A melhor maneira de treina-lo é, além de encarar o desafio da prática, estudar referências e se inspirar pelos trabalhos dos grandes nomes que consolidaram o gênero. No caso da fotografia documental, Robert Capa, Henri Cartier-Bresson, Martin Parr e Dorothea Lange têm alguns dos cliques por onde vale a pena começar.