Horst Faas: primeiro as fotos, depois a moral
Vencedor de dois Prêmios Pulitzer, o fotógrafo alemão Horst Faas registrou alguns dos acontecimentos mundiais mais turbulentos das últimas décadas
de Klaudia Prevezanosvia Deutsche Welle
A biografia de Horst Faas inclui visitas a muitas regiões do planeta em crise e o registro fotográfico de acontecimentos mundiais. Durante toda a Guerra do Vietnã, Faas trabalhou como repórter fotográfico para a agência norte-americana de notícias Associated Press (AP), estacionado em Saigon, a capital do país. Este foi o ápice de sua trajetória no jornalismo. “Se eu não tivesse ido para o Vietnã, estaria sendo hoje em Bremen ou em qualquer outra cidade, trabalhando como um mero redator. E nunca teria feito o que fiz”, diz ele hoje.
Para obter reconhecimento na mídia norte-americana, era importante testemunhar in loco, como fotógrafo ou correspondente, o que acontecia no Vietnã. “O país foi um pulo na carreira de muita gente”, recorda Faas. Em 1965, o berlinense recebeu, como primeiro alemão, o Prêmio Pulitzer por suas imagens feitas no país asiático.
Pouco tempo depois, em 1972, o comitê que concede o renomado prêmio o indicou novamente, desta vez pelas fotos de uma execução em Bangladesh, datadas de dezembro de 1971. Até então, nenhum outro fotógrafo havia recebido o Prêmio Pulitzer duas vezes.
Nos EUA, Horst Faas tornou-se tão conhecido quanto nomes lendários da fotografia, como David Halberstam, Larry Burrows, Tim Page ou Henri Huet. Em seu país natal, poucos conhecem aquele que talvez seja o repórter fotográfico alemão de maior sucesso internacional, em todos os tempos.
Após a paralisia
“O primeiro Prêmio Pulitzer foi uma surpresa para mim. Eu nem sabia o que era isso, quando o presidente da AP, Wes Gallagher, me cumprimentou”, lembra-se Faas, hoje aos 78 anos, em seu apartamento de Munique, onde vive com a mulher Ursula. Desde abril de 2005, ele sofre de paralisia e não consegue mais andar. Em sua cadeira de rodas, recorda: “Quando o médico me disse que nunca mais poderia andar, pensei: ‘Aos 72 anos, já vivi, na verdade, tudo o que tinha que viver. Agora vem outra coisa'”.
E mesmo quando é obrigado a passar dias deitado, em função das debilidades físicas, suas lembranças detalhadas do tempo de repórter fotográfico mantêm-se vivas. Entre estas estão os acontecimentos em Daca, no dia 18 de dezembro de 1971. Faas viajou naquele dia do Vietnã diretamente para a recém-fundada Bangladesh.
Imagens terríveis
Em março daquele ano, o país tinha obtido sua independência do Paquistão e combatido as forças armadas deste país, com a ajuda do Exército da Índia. No dia 16 de dezembro, as tropas paquistanesas capitularam e a Índia ocupou, junto com grupos de rebeldes nativos, a capital Daca. Quando o líder das então chamadas Forças Armadas da Libertação de Bangaldesh conclamaram a população para um comício, Horst Faas estava presente com sua câmera, a serviço da Associated Press. Ele fotografou a seguir a execução de quatro homens, acusados de terem violentado mulheres muçulmanas.
Um dos líderes rebeldes, “Tiger” Siddiki, havia instigado toda a história do assassinato, lembra-se Faas. “Quando começaram os maus-tratos em público, as agressões a baioneta, ele entrou em cena como num balé e pediu um fuzil com uma baioneta montada. Aí se posicionou em frente a um dos presos, levantou a arma ostensivamente e recuou mais do que o necessário”, conta o fotógrafo. “Então lanceou o homem no flanco. Não no peito. Ele não queria matá-lo imediatamente, mas primeiro torturar”, completa.
Os outros solados imitaram seu líder e uma multidão assistia. Por fim, eles se sentiram incomodados com os fotógrafos e se voltaram contra eles. Faas e seu colega Michel Laurent, também a serviço da AP, encontraram um abrigo seguro. “Nunca corri tão rápido na vida”, recorda.
Limites da profissão
Logo depois, outros jornalistas acusaram Faas e Laurent de que as execuções teriam sido encenadas para a imprensa e de que seria amoral fotografar aquelas cenas. A AP divulgou, mesmo assim, as imagens, e quatro meses mais tarde os dois fotógrafos receberam o Prêmio Pulitzer por elas.
Faas conta que ficou horrorizado com as acusações. “Mas sempre defendi a máxima: ‘primeiro faço minhas fotos, depois falamos sobre moral'”, diz, parafraseando o dramaturgo Bertolt Brecht. Durante sua permanência como correspondente da AP na antiga Saigon, o fotógrafo alemão viu-se diversas vezes confrontado com a decisão sobre o que podia ser publicado e o que não. Seu critério sempre foi a “autocensura pelo decoro. Ou uma espécie de instinto: o que é possível e o que não é. O que é apropriado e o que não é”, completa.
Ao longo de sua trajetória, Faas registrou muita coisa através de suas lentes, inclusive o atentado à equipe israelense durante os Jogos Olímpicos de Munique, em 1972; o encontro entre o então presidente egípcio Anwar el Sadat e o presidente norte-americano Richar Nixon, durante as negociações pela paz de Gizé; a luta de boxe entre Muhammad Ali e George Foreman, em 1974, no então Zaire, e a visita do Papa João Paulo 2° a Auschwitz, em 1979. Faas é capaz de se lembrar de tudo nos mínimos detalhes e seu entusiasmo pelo trabalho de então é visível até hoje.
fotos: Associated Press / T2i Forum / Business Insider
/ National Post / KameraWork.es
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Notas do Editor / Fotografia-DG:
1 – Embora o texto original do Deutsche Welle cite a Garota do napalm como a obra mais famosa de Horst Faas, a famosa imagem é de autoria atribuída, na verdade, ao vietnamita Nick Ut. Para evitar replicações do erro, tomei a liberdade de retirar o trecho.
2 – Infelizmente o fotógrafo faleceu no ano seguinte ao da publicação desse texto no jornal alemão, aos 79 anos. Como podem ver pelas fotos, no entanto, sua contribuição na fotografia foi imensurável e deve ser lembrada por todos que admiram o trabalho dos fotojornalistas de conflitos e aqueles que estudam as guerras, além, certamente, dos pacifistas.