Frank Hurley: o Fotógrafo Louco
Acredite: poucos seguem tão longe na gana por fotografar
Frank Hurley basicamente foi Robert Capa antes de Capa: um fotógrafo que sentia não ter tanto a perder que o impedisse de entrar numa aventura um tanto diferente (para dizer o mínimo) — e isso quando Capa não tinha ainda 2 anos de vida.
Nascido em 1885, foi o primeiro fotógrafo oficial das Forças Imperiais Australianas, em 1917. Foi nessas Forças que, como capitão honorário, ganhou o apelido de “O Fotógrafo Louco” (The Mad Photographer), por assumir altos riscos em busca de suas imagens. Hurley chegou a escrever, no mesmo ano em que foi contratado e notado pelas tropas como um fotógrafo destemido, dizendo que “Obter imagens de guerra de comoção e sensação impressionantes é como tentar o impossível”.
No entanto, não foi por este fato ou esta frase que soube de Hurley. Foi lendo uma revista de História (um dos motivos porque é bom ter leituras além do mundo fotográfico), que relatava como foi a expedição de um navio que partiu da Inglaterra para a Antártida em 1914, no que ficou conhecida depois como a última grande viagem da era dos descobrimentos.
Dizia o anúncio que convocava para a expedição, publicado nos classificados do The Times:
MEN WANTED — for hazardous journey, small wages, bitter cold, long months of complete darkness, constant danger, safe return doubtful, honor and recognition in case of success.
Traduzindo:
BUSCA-SE HOMENS — para viagem perigosa, salários pequenos, frio intenso, longos meses de completa escuridão, perigo constante, retorno seguro incerto, honra e reconhecimento em caso de sucesso.
Como pode-se notar, o anúncio era bastante claro quanto ao tipo de dificuldades que aquele que aceitasse a empreitada teria, e embora houvesse menção a reconhecimento oficial em caso de sucesso, os outros fatores eram indubitavelmente fortes e negativos, o que decerto afastou muitos candidatos. Pode-se dizer que era um anúncio feito para apenas dois tipos de pessoas: desesperados e loucos/incrivelmente corajosos. O Mad Photographer provou, com sua resposta ao anunciante e também seus outros trabalhos, ser definitivamente da segunda categoria.
Atendendo ao anúncio, Hurley partiu na primeira de suas seis viagens ao continente austral. Decerto não esperava que a expedição que partiu rumo ao extremo sul de 1911 a 1914 fosse apenas sua primeira viagem à Antártida, assim como talvez não aceitasse ingressar na empreitada se soubesse que tal viagem seria um fracasso (ou não?).
Sim, embora ele tenha retornado cinco vezes, tendo sido a última delas em 1932, a expedição do Endurance, o navio comandado por Sir Shackleton — que contava ainda com mais 27 homens (incluindo um passageiro clandestino) e 69 cães de trenó —, simplesmente falhou.
O continente mais ao sul da Terra já havia sido descoberto, porém a equipe estava para ser oficialmente o primeiro grupo a cruzar a pé suas 1800 milhas (aprox. 2.900km). Porém, a menos de 85 milhas do ponto de partida da caminhada, o Endurance ficou preso e congelado em meio ao gelo, resultando em mais de 10 meses em que seus tripulantes passaram a viver no navio, isolados do mundo, ocupando-se com esquetes, jogos e especializando-se em caça de pinguins e focas.
Após mais alguns meses, o capitão Shackleton decidiu partir com mais cinco tripulantes em um bote salva-vidas chamado James Caird (abaixo), em busca de resgate. E assim os seis homens seguiram da inabitada Ilha Elefante para a Ilha Geórgia do Sul.
Enquanto isso, os membros restantes da expedição aguardaram por longos meses os seis homens salvadores retornarem, à base de carne de pinguim e os já escassos suprimentos de biscoitos e açúcar. Hurley aproveitou os quase dois anos de ambiente propício à concentração (já que louco ele já era…) para diariamente fotografar e trabalhar no laboratório que montou no navio..
A expedição falhou, mas as fotos, no entanto, foram bem sucedidas e ficaram para a História juntamente com a grandiosidade da viagem, coroando uma odisseia heroica, árdua mas que, afinal, terminou bem — ou pelo menos bem melhor que as piores possibilidades. Possuem elas um teor algo poético, apesar de tudo, e mostram tanto momentos de alegria quanto de sobriedade ou a tristeza da tragédia (como na imagem acima). Parte delas é colorida, sendo Frank Hurley um dos primeiros a adotarem experimentarem tal tipo de foto, através do processo de placas secas denominado Paget.
Frank Hurley faleceu muito depois de sua última viagem à Antártida, tendo mais de 70 anos. Fez história com suas fotos da Antártida, suas fotomontagens (sim, ele também tinha jeito com “photoshop” analógico) e sua coragem e determinação.