A fotografia como meio de expressão
Posso soar repetitivo – chato, até – ao colar aqui o chavão “uma imagem vale mais que mil palavras”. Ele é, contudo, oportuno para iniciar este artigo sobre a possibilidade de provocar reflexões através da fotografia.
O autor pode transmitir ideias utilizando a imagem. Isso não é de pouca importância, ainda mais se levarmos em conta o grande fluxo de informações a que somos submetidos diariamente. Vivemos em um fast-food informacional, onde a informação é atualizada em minutos – vide os portais de notícias e as redes sociais – e deglutida em segundos. Não é de estranhar que, nesse contexto, a imagem exerça tão grande poder de atração sobre as pessoas.
Fragmentos de Eu ou Identidade Pós-Moderna, por Tiago da Arcela
Ao contrário de um filme, de uma música ou de uma tese acadêmica, uma fotografia pode ser observada por poucos segundos e, ainda assim, permanecer viva na mente do espectador. Os publicitários, cientes desse quadro, têm na imagem o principal chamariz para vender seus produtos.
O cerne da questão aqui levantada é o fato de a fotografia poder ser usada como um meio, assim como é a escrita ou a música, para produzir conhecimento, mostrar ideias e sugerir reflexões. Pode parecer estranho chamar uma obra fotográfica de conhecimento, mas, de fato, ela o pode ser.
Por mais que esteja incluído na leitura da fotografia um forte componente subjetivo, nada impede que o autor utilize palavras ( ou outros estímulos ) para direcionar melhor a sua ideia. É possível produzir conhecimento sobre os mais diversos temas, sejam filosóficos, psicológicos, sociais, políticos, dentre muitos outros, através da fotografia.
Desse modo, não posso concordar com quem diz que já foi feito tudo em fotografia. Seria como dizer que não há mais assuntos sobre os quais escrever. Ou então, que o ser humano passou de pensar sobre sua própria vida.
Ultimamente uma pergunta tem se repetido em minha mente, especialmente quando considero a grande quantidade de fotografias circulando em exposições pela net, em salões, ou mesmo nas salas de residências: “para quê”?
O que quero mostrar e o que (quem) quero atingir com a fotografia? Penso que somente imagens de alta qualidade formal técnico-estética não são suficientes para chamar atenção nesse cenário de tanta informação.
Pé de Coca, por Tiago da Arcela
Cai como uma luva, aqui, a frase atribuída a Ansel Adams, que é lembrado por muitos somente como um fotógrafo/laboratorista com alto domínio técnico da captura e da revelação de uma fotografia:
“Não há nada mais confuso do que uma imagem nítida de um conceito desfocado.”
O domínio técnico é importante somente para que possamos dizer alguma coisa. De que adianta saber as regras gramaticais de um idioma, só para falar, falar, mas não ter conteúdo?
Recordo-me de um autor que escreveu um artigo dentro do rigoroso padrão da linguagem “científica” e enviou para uma conceituada revista, que o aprovou e o publicou. Logo após ele mandou outro artigo dizendo que o anterior simplesmente utilizava termos e jargões da ciência, mas não significava NADA.
Em certa parte da Bíblia está escrito que “a boca fala do que o coração está cheio”. De modo análogo, o trabalho autoral de um fotógrafo irá refletir a sua própria história de vida: os seus relacionamentos e experiências, os livros que leu, os filmes e peças a que assistiu, as músicas que ouviu, as fotografias que viu etc.
Não é necessário um curso de nível superior para ter ideias, já que a observação de um simples fato do dia-a-dia pode ser o pontapé inicial para um ensaio.
Na produção de um trabalho autoral de qualidade, é necessário equacionar o binômio ideia/execução. A execução diz respeito à técnica: escolha da luz, equipamentos, enquadramentos, poses etc. Já a ideia, ou conceito, é exatamente o mote do ensaio que pode ser desde documentar o dia-a-dia de um vendedor ambulante até mostrar o conflito entre “ter e ser” na sociedade atual.
Fotografia conceitual não é aquela que não entendemos. Toda fotografia tem um conceito inerente. Em algumas, a ideia pode estar estreitamente ligada à execução, como no caso de um documentário: não dá para separar muito o conceito “documentar tal profissão” do fazer fotográfico em si.
Já outros trabalhos têm em sua gênese um conceito, ainda que o autor não tenha o mínimo vislumbre de como ele irá se realizar como imagem. Uma ideia pode permanecer meses ou anos “em gestação” até que o fotógrafo consiga trazê-la à vida. São esses últimos trabalhos que costumam ser chamados de “conceituais”.
Longe de dogmas, vejo com bons olhos a possibilidade de utilizar programas de manipulação digital, iluminação de estúdio, suportes alternativos de impressão, a mescla da fotografia com outros materiais ( como objetos ) e o que mais a experiência tornar possível, na tentativa de colocar um conceito em prática.
Como existe a narrativa jornalística fiel aos fatos históricos, também existem outras formas de se expressar sobre os mais diversos temas, como a poesia. Por que seria diferente com a fotografia?
O fotógrafo-artista não é um pensador, por isso, não lhe basta somente a ideia. O domínio técnico é importante na medida em que nos permite expressar, de forma eficaz, aquilo que pretendemos.
Não me surpreende constatar a quase inexistência de cursos de graduação em fotografia. É tarefa um tanto ingrata propor uma grade de matérias para tal curso. O que seria ensinado lá, além das técnicas da fotografia?
A técnica – compor uma imagem controlando obturador, diafragma, foco, iluminação etc. – é pré-requisito de todo fotógrafo. O desafio é o que fazer com a técnica aprendida. O potencial que a câmera nos oferece é parecido com o de uma folha de papel em branco: infinito. Mas isso também pode ser assustador.