Esta não deveria ser a foto do ano — e eu votei contra.
Seu impacto é inegável, mas a ganhadora do World Press Photo of the Year favorece a união entre o martírio e a publicidade
por Stuart Franklin, via The Guardian
No último dia 19 de dezembro, o fotógrafo turco Burhan Özbilici foi a uma conferência de imprensa em uma galeria de arte de Ankara. Estava no caminho para casa vindo do escritório e compareceu por acaso. Logo mais o evento tornou-se um espetáculo mortal, quando o embaixador russo na Turquia, que fazia um discurso, foi assassinado.
Özbilici teve a compostura, a coragem e a habilidade para tirar a fotografia que foi recentemente nomeada a foto do ano no World Press Photo, no qual presidi o júri. É a terceira vez que a cobertura de um assassinato ganha o prêmio, sendo a mais famosa o assassínio de um suspeito vietcong, fotografado por Eddie Adams em 1968.
A foto de Özbilici é impactante, sem dúvida. Contudo, ao mesmo tempo em que eu estava totalmente certo de que daria o prêmio de spot news que ela também ganhou, eu também me opus fortemente a que ela fosse a ‘foto do ano’. Perdi por pouco na discussão. Votei contra. Desculpe, Burhan. É a fotografia de um assassino, o matador e o assassinado, ambos vistos na mesma foto, e tão moralmente problemático para publicar quanto uma decapitação terrorista.
Diferente do assassinato do arquiduque Ferdinando em Sarajevo, em 1914, o crime teve consequências políticas limitadas. Colocar a fotografia nessa alto pedestal é um convite àqueles que contemplam espetáculos encenados como esse: ela reafirma a união entre o martírio e a publicidade.
O debate não é novo. Os gregos provavelmente o iniciaram, perto de dois milênios e meio atrás, quando Heróstrato obteve notoriedade ao incendiar uma das sete maravilhas do mundo, e o Judiciário em resposta proibiu qualquer menção a seu nome. Para ficar claro, minha posição moral não é que o bem-intencionado fotógrafo deveria recusar o crédito que merece: em lugar disso, temo que tenhamos amplificado uma mensagem terrorista através da publicidade extra que o prêmio máximo atrai.
A fotografia é capaz de trabalhar de verdade pela humanidade, promovendo empatia e desencadear mudanças. Essa imagem não provoca nenhuma delas, apesar de eu sentir pela família da vítima e aqueles feridos durante seu assassinato. Presidir um júri, como o do World Press Photo, é saber reconhecer visões divergentes e aceitar o resultado. O que eu gostaria de celebrar aqui são algumas das outras fotos de 2016 que ganharam prêmios em suas categorias.
Cada jurado tem seu gosto. Pessoalmente, por entre as 80 mil fotos que nos foram mostradas, busquei por um olhar empático. Fotógrafos saem pra prestar grandes serviços, frequentemente pondo suas próprias vidas em risco, para noticiar, quebrar o silêncio e dar-nos uma luz através de fotos, porque eles acreditam que podem, apenas podem, inspirar mudança.
Nosso trabalho no júri é ajudar a preencher o outro lado do negócio — e a World Press Photo, uma fundação beneficente, é um instrumento disso — para respeitar os esforços dos fotógrafos, elevar o status do fotojornalismo e mostrar isso orgulhosamente ao mundo. Exposições produzidas com as fotografias ganhadoras dos prêmios são mantidas em 45 países e vistas por 4 milhões de visitantes.
A poderosa acusação do fotojornalista australiano Daniel Berehulak de campanha anti-drogas sem misericórdia do presidente Rodrigo Duterte nas Filipinas, documentando 57 homicídios em apenas um mês recebeu merecidamente seu prêmio de primeiro lugar na categoria de Histórias em Notícias Gerais. A fotografia empática do fotógrafo romeno Vadim Ghirda dos refugiados cruzando um rio de forte correnteza na fronteira entre a Grécia e a Macedônia provoca tristeza quanto a um evento desafiador, ecoando um trabalho que veríamos da crise no Mediterrâneo. Laurent Van der Stockt merece uma menção por sua impressionante imagem captada nas garras do conflito no Iraque. Essa foto ganhou prêmio de primeiro lugar nas Isoladas de Notícias Gerais. Ameer al-Halbi (nome fictício), um fotógrafo sírio de 21 anos contratado pela Agence France Presse (AFP) merece respeito por sua coragem em documentar o bombardeio temerário de Aleppo no último ano, até que o fotógrafo foi foçado a fugir do distrito de Bustan al-Qasr em dezembro. E o Jonathan Bachman, ganhador do primeiro lugar na categoria Questões Contemporâneas é digno de menção por sua foto inesquecível da resistência passiva.
Enquanto o custo humano dos conflitos é predominante na maior parte das mentes das pessoas, o júri foi atraído por uma tragédia de um diferente tipo. O fotógrafo sul-africano Brent Stirton enviou uma fotografia magistralmente deprimente de um rinoceronte negro abatido, parte de uma série sobre a “guerra dos rinocerontes” em seu país, dando a ele prêmio de primeiro lugar na categoria de Histórias Naturais.
“Você tem uma chance de fazer o certo, e daí ela passa”, escreveu o fotógrafo de esportes Tom Jenkins, do Guardian, ecoando a angústia social psicológica explorada por Wim Wenders em seu clássico filme The Goalkeeper’s Fear of the Penalty (‘O medo do goleiro diante do pênalti’), de 1972. Aplaudo o virtuosismo de Jenkins na vitória pelo primeiro lugar na categoria de Isoladas em Esportes em um ano olímpico, com sua fotografia do cavalo da jóquei irlandesa Nina Carberry, Sir Des Champs, correndo na trincheira durante o Grand National de 2016.
Burhan Özbilici, da equipe da Associated Press de um país onde a liberdade de imprensa está constantemente ameaçada, teve também uma chance. Ele fez seu trabalho heroicamente naquela tarde em Ankara. Isso não está em questão. Mas o que é controverso é uma imagem que retrata um assassinato premeditado, encenado numa conferência de imprensa para maximizar a divulgação, ser a foto do ano no World Press Photo.