Entrevista a Leo Neves – “Meu amigo, bem-vindo ao clube”
“A fotografia salvou a minha vida”, disse certo dia Leo Neves. Lembro até hoje que parei tudo o que estava fazendo e falei comigo mesmo quando ouvi essa frase: “Meu amigo, bem-vindo ao clube”.
Em seguida, saí pesquisando sobre esse ser que com uma boa dose de bom humor e outra tanta de ironia fazia graça de algumas situações enfrentadas por nós, fotógrafos. Queria saber dessa pessoa tinha largado a profissão estável e remunerada (e horário fixos) para se aventurar no mundo do freelancer fotográfico, totalmente sem estabilidade e mais ainda sem horário. Depois de saber quem era, fiquei de olho nas dicas de iluminação dadas pelo próprio.
Já sabe de quem estamos falando? Isso mesmo caso tenha pensado em Leonardo de Mattos Neves, o Leo Neves ou como é conhecido no twitter, @nevesleo. Longe de ser uma unanimidade, com 25 anos nas costas, de origem carioca e vivendo entre Rio e São Paulo (e), gosta de fotografar pessoas (assim como seu conterrâneo Jorge Bispo) e acredita que cada um tem seu espaço na fotografia, não precisando ter nenhuma arranca-rabo entre fotógrafos por causa de coisas pequenas.
Abaixo, nosso bate-papo feito todo por e-mail, facebook e twitter. Outras informações e inspirações peguei acompanhando o tumbrl dele. Reparem como na maior parte do tempo, Neves (que não é irmão do Leandro Neves, já entrevistado pelo DG) se mantém sério. Na maior parte do tempo porque é claro que alguma coisa tinha que ter uma brincadeira – as referencias que o digam.
FOTOGRAFIA DG – Como começou o seu interesse por fotografia?
LEO NEVES (@nevesleo) – Um tio fotógrafo começou a me ensinar os fundamentos e me deu uma câmera. Depois de algum tempo sem praticar, uni o interesse pela música e pela fotografia e comecei a fotografar shows.
DG – Como você descreve seu primeiro trabalho e de que maneira que ele te marcou?
@nevesleo – Foi a primeira vez que eu vi uma foto minha impressa num jornal. Foi uma foto do show da banda Little Joy. A partir daí eu soube que isso era o que eu queria fazer.
DG – O que mais te interessa na fotografia?
@nevesleo – Pessoas. Não só as que estão diante da câmera, mas todas as que a fotografia é capaz de trazer pra nossa vida. Por causa da fotografia eu conheci pessoas fantásticas.
DG – Quanto tempo você demorou pra decidir largar seu antigo emprego e se jogar na cara e coragem só na fotografia?
@nevesleo – Mais ou menos depois de uns dois anos trabalhando no comércio. Estudei e me preparei tecnicamente até me sentir seguro de que poderia começar a caminhar oferecendo qualidade.
DG – Qual a maior dificuldade percebida por você nessa mudança? Relação com os fotógrafos ou o quê?
@nevesleo – A relação com os fotógrafos permaneceu a mesma. O problema mesmo foi, e às vezes ainda é, me adaptar a um estilo de vida completamente diferente, de freelancer. Antes eu tinha uma rotina, horários definidos, salário fixo. Agora os horários são completamente loucos e tenho que matar um leão por dia para pagar o aluguel. A relação com a própria fotografia também muda. Antes, eu era hobbista. Se ganhasse com a fotografia, era dinheiro a mais. Hoje preciso correr atrás e às vezes até mesmo fazer certos trabalhos que eu não faria se ainda fosse hobbista, às vezes abrindo mão de preferências pessoais.
DG – Seus trabalhos com bandas/produtores… O que foi mais interessante e o que foi ruim?
@nevesleo – O interessante foi viver num meio em que eu me sentia muito à vontade. Estudei música até minha adolescência. Primeiro o piano, depois um pouco de trompete e acabei estudando fagote. Estava sendo preparado para ser um músico erudito, de orquestra. Mas sempre flertava com o rock e o jazz paralelamente, chegando a estudar harmonia funcional e arranjo numa escola de música popular. Depois de meio que abandonar a música por um tempo, fotografar bandas talvez tenha sido a forma que encontrei de vivenciar o palco que desprezei anos antes. O primeiro show que eu fotografei me trouxe todo aquele sentimento de volta, mesmo estando agora numa posição diferente em relação ao palco. O ruim talvez tenha sido lidar com o ego de alguns artistas e maluquice de alguns produtores e assessores de imprensa.
DG – E as redes sociais, qual a influência delas para os fotógrafos e pro seu trabalho? Você acha que através dela os clientes chegam até você ou o antigo boca-a-boca é mais eficiente?
@nevesleo – Uso as redes sociais de forma muito pessoal. Tenho me policiado um pouco com relação a isso, tentando produzir conteúdo interessante de vez em quando, mas ainda encaro um pouco como coisa para amigos. Dificilmente vemos os grandes fotógrafos dando chilique no twitter, por exemplo. Ou postando fotos do Flickr em todas as redes sociais como se estivessem implorando por um maior número de visualizações. Poucos clientes me chegaram por elas, exceto os clientes que são da própria fotografia, como fotógrafos precisando de assistentes e, recentemente, alunos interessados na minha oficina de flash compacto.
DG – Edição: carrega ou se liga mais no purismo?
@nevesleo – Gosto de experimentar. Por um lado, tenho fotos digitais super carregadas. Por outro, tenho fotos analógicas que simplesmente digitalizei o negativo e usei sem nenhum tratamento. A maioria das fotos que divulgo são fotos que fiz por prazer (não é todo trabalho que a gente gosta de mostrar, tenho certeza que vocês concordam comigo). Então me permito fazer muita coisa diferente, já que, nesse caso, não existe um briefing, uma expectativa, uma cobrança por parte de um cliente. Faço para experimentar coisas novas mesmo. Para trabalhos, o tratamento é mais sóbrio e leve.
DG – O equipamento é sempre uma questão apontada. Ele é o essencial?
@nevesleo – Polêmica. Dizem que o equipamento não faz o fotógrafo. Pra quem me diz isso eu sempre dou o exemplo:
Você tem uma câmera DSLR de entrada e um flash de entrada. Seu cliente quer uma foto externa, pegando todo o ambiente, contra a luz do sol, luz suave do flash remoto equilibrando com a luz natural. Se você conseguir essa foto com o equipamento que descrevi, me conta como. Nesse caso o equipamento é essencial. Precisaria de potência e um modificador de luz grande. Por outro lado, você pode fazer a foto com qualquer câmera, de qualquer maneira. O que você precisa é vender seu trabalho dentro das suas limitações. E de preferência que o cliente não encare como limitação. Ou que talvez nem mesmo você encare como limitação. No mundo existe o trabalho de Gregory Crewdson e de Nan Goldin, e um não é mais (nem menos) fotógrafo que o outro por causa de equipamento.
DG- Qual seu relacionamento com o flash? Usa, não usa, abusa? E o que você acha que as pessoas precisam aprender sobre ele?
@nevesleo – Uso flash compacto com muita frequência. De noite, de dia, externa, em estúdio, em casa… Sou um entusiasta do flashinho mesmo. É mais versátil, mais portátil, mais simples que flashes de estúdio (e muito mais fácil de chegar numa locação, por exemplo, e montar). As desvantagens dos flashinhos em relação a flashes mais potentes ainda não me incomodam nos tipos de trabalho que eu faço. Por exemplo, potência e tempo de reciclagem em bons flashes de estúdio são melhores. Mas ainda assim, um bom flash de estúdio é caro. Se um dia eu precisar dessa potência e tempo de reciclagem para um trabalho, alugo um bom flash com gerador e ele entra nos custos do meu orçamento.
DG – Quem são suas referências fotográficas?
@nevesleo – Nossa! É muita gente! Curto muito o Arnold Newman, Philippe Halsman, Irving Penn, Annie Leibovitz, Denis Rouvre, Erwin Olaf, Gregory Crewdson, Larry Sultan, Jill Greenberg, David E. Jackson, Zack Arias. Entre os brasileiros cito Bob Wolfenson, Otto Stupakoff, Boris Kossoy, Miro, Clicio, e com muito respeito e carinho cito o Renato Rocha Miranda (que ajudou a salvar minha fotografia quando estive a ponto de vender todo meu equipamento e desistir), e o Leandro Neves (que me apoiou muito na minha decisão de largar tudo pela fotografia, e que não é meu irmão). Ah, tava quase me esquecendo. Além de todos esses, grande inspiração para minha vida e fotografia, é Bruno Aleixo. Deixou grandes ensinamentos quando se foi da primeira vez…
DG- Deixa uma mensagem pros leitores do DG.
@nevesleo – A fotografia é muito mais que um mercado, que um meio de vida, que uma forma de ganhar dinheiro. Tem gente que depende da fotografia para colocar comida na mesa, e não tem problema nenhum nisso (hoje faço parte desse grupo, inclusive), mas tem gente que depende dela para arrancar forças de si mesmo e realizar outra atividade que seja seu sustento. Como hobbista a fotografia me trouxe autoconfiança e mexeu com a forma como eu me enxergava e enxergava o mundo. Tenho algumas histórias de sucesso profissional em outra área que atribuo ao fato de fotografar como hobby. Então, acho que cada um tem seu espaço, seu lugar na fotografia. Que profissionais antigos, novos fotógrafos, amadores sérios e fotógrafos de final de semana conheçam seu lugar e não se mordam por coisas menores.