Entrevista com Isabela Simão
Retratar a realidade da mulher e sua relação com seu corpo: essa foi a inspiração da fotógrafa Isabela Simão para o projeto Corpo Que Vivo. Cansada da beleza plastificada e artificial retratada na fotografia do corpo feminino, claramente direcionada em exclusivo para o público masculino. A fotógrafa mergulha no “microuniverso” particular de cada uma de suas modelos voluntárias, estimulando, através de situações naturais e corriqueiras, um diálogo íntimo da mesma com sua própria beleza, nudez e, muitas vezes, aceitação.
Quem é Isabela Simão?
Nasci no interior de São Paulo, hoje tenho 24 anos e moro na capital do estado. Desde criança nutro um grande interesse pela fotografia, e já na adolescência comecei a estudar mais o assunto e fotografar um pouquinho. Me formei em Moda, estudei na Itália, então nesses últimos anos da minha vida, fui bem cercada e bombardeada de padrões estéticos de beleza feminina, mas nunca me vi em nenhum deles. No geral sou tranquila, mas quando se trata de discutir os direitos da mulher acabo sempre me exaltando um pouco, talvez até por saber de cor até aonde o machismo pode chegar… Desde a universidade tenho um grande interesse por estudos feministas, e sempre que posso tento relaciona-los em meus trabalhos.
Como você definiria o projeto “Corpo que vivo”?
O “Corpo que Vivo” é um projeto autoral muito simples, que vai um pouco na contramão do que se tem visto ultimamente em relação aos ditos “ensaios sensuais”; na verdade a ideia não é nem mesmo juntar uma serie de imagens que explorem a sensualidade, mas que retratem a realidade e particularidades da relação entre a mulher e seu corpo. É questionar o faz uma mulher nua ou semi nua em sua intimidade, dificilmente nós mulheres quando sozinhas em casa, tiramos a roupa e ficamos apenas sendo sexy, muitas de nós adora lavar a roupa nua, outras meditam, outras se acham lindas, outras se questionam, outras posam para o espelho. Cada mulher vive um corpo diferente de uma forma diferente. A ideia do projeto é justamente a de retratar as diferentes vivencias corporais femininas.
Podemos notar uma tendência surgindo nos ensaios de nu artístico, onde o foco não é a beleza como em revistas, e sim retratar mulheres comuns, e o quanto isso é importante culturalmente já que indica uma quebra nos padrões de beleza impostos pela sociedade. Seu trabalho segue essa linha?
A principio esse não é o objetivo principal. Lógico que quando tratamos a mulher nua/semi nua de uma forma mais natural acabamos carregando um pouco desse conceito também. A beleza feminina real deve e será ressaltada no meu projeto, e espero que em muitos outros também, é fundamental repensarmos nossos padrões de beleza e suas consequências. Mas tento ir além um pouquinho. Procuro nesse projeto fugir do estereótipo “ensaio sensual” e mais do que tudo, fugir do público masculino. Quero retratar mulheres de verdade sendo mulheres e para mulheres. Obviamente que muitas delas quando com pouca roupa se veem mais sedutoras, e isso é ótimo, mas a realidade e a natureza do nosso corpo não é apenas essa, e mais que isso, a beleza também vai além de poses clássicas e comportamentos corporais mais imponetes.
O que mais te inspira?
Sou muito levada nessas fotos pelas histórias de vida das mulheres que conheci e venho conhecendo pela vida, como cada uma é tão única e ao mesmo tempo tão próxima de outra mulher que nem conhece. Somos um pouco complexas é verdade, mas são essas mulheres tão diferentes e parecidas umas com as outras a minha maior inspiração.
Como é seu processo de criação?
Para o projeto, a criação é conjunta, é minha e da menina em foco. Rolam horas de conversa sobre corpo, realidades, preconceitos, sobre ser mulher, se sentir abusada, ofendida, tamanhos de corpo, auto estima e etc. É essa longa conversa que determina em que sentindo as fotos devem caminhar, e a partir desse ponto, eu e a modelo nos entregamos ao que as emoções vão pedindo. É muito engraçado como cada sessão é completamente diferente da outra.
Algo muito presente em suas fotos é o clima de intimidade e a sensação de aceitação das mulheres em relação ao corpo delas, isso é algo que você trabalha antes, dirige durante o ensaio ou você aposta na naturalidade e na espontaneidade?
Como eu disse, a intimidade e confiança são frutos de uma longa conversa que temos antes de começarmos as fotos, o que é essencial pra que a modelo fique a vontade na minha presença, e mais do que isso, tenha total conhecimento e consciência de suas relações com o próprio corpo, depois durante as fotos a direção é muito pequena, as coisas acabam fluindo com bastante naturalidade.
Como é sua abordagem para fotografar essas mulheres?
Muitas delas depois de conhecerem o projeto me procuraram pois tinham interesse em participar, salvo algumas exceções que foram convidadas por mim, de resto, é o que já foi dito!
Quais são os prós e contras em se trabalhar nesse estilo fotográfico?
É muito gratificante conseguir ajudar uma mulher normal a se amar, aceitar e se sentir bonita, não que todas não sejam lindas, mas muitas de nós não conhecemos nossas belezas e nem nos damos conta delas… Quando algumas mulheres veem o resultado das fotos se transformam, passam a acreditar mais em si próprias, faz bem pra autoestima e tudo mais, e participar desse processo na vida de alguém é muito lindo e prazeroso, porém, por outro lado ainda existe hoje muita gente que vê esse tipo de trabalho relacionado com pornografia e coisas do gênero, o que me desmotiva muito, pois tento trabalhar indo na contramão dessa linguagem e mesmo assim recebo mensagens me que dizem que isso é “pouca vergonha” e etc, pelo menos esses são minoria!
Se pudesse definir seu trabalho em uma palavra, qual seria?
Alma.
Por fim, poderia deixar algumas dicas para os leitores do Fotografia-DG que se interessam pelo seu estilo de fotos?
Diane Arbus uma vez escreveu que “uma fotografia é um segredo sobre um segredo” e eu acredito muito nisso. Não importa quem ou o que você fotografa a intimidade e as emoções tem que estar ali, o tempo todo. Uma fotografia não pode apenas ser esteticamente harmônica, mas deve carregar todos os sentimentos passiveis de serem exprimidos em um momento. Muita conversa, conhecer sua modelo, estar em pé de igualdade com o objeto fotografado, tudo isso influência nos detalhes mais importantes para a imagem final. Se feita com amor e dedicação, não tem como dar errado!
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