A preguiça como fator destrutivo das melhores imagens
Depois de me aventurar algumas vezes na arte de escrever e de me aventurar umas poucas na arte de fotografar, decidi pela primeira vez me aventurar na arte de escrever sobre a arte de fotografar. Com receio de falar bobagem, considerando minha irrisória experiência de fotógrafo amador, aventuro-me a explorar um assunto que muito me aborrece quando vejo que o advento das câmeras digitais point and shot mudou a relação das pessoas com a fotografia: a preguiça.
O fato de uma câmera digital ter configurações automáticas acomodou as pessoas e a praticidade de ver a foto logo após o disparo, apagá-la e refazê-la retirou a cautela que tínhamos quando limitávamos os cliques à quantidade restrita e preciosa de quadros de um filme analógico.
Não pretendo aqui explorar as superficiais comodidades de ser um “mero disparador de botão”, tampouco pretendo abordar a aparente (e equivocada) praticidade de fazer fotos de qualquer jeito pelo simples fato de que tudo poderá ser refeito e/ou retocado em programas de edição, assuntos estes que já foram ampla e magistralmente discutidos em artigos sobre o tema.
Sem adentrar em configurações técnicas de ISO, abertura, velocidade, compensação de exposição e outros termos técnicos que desassossegam principiantes como este que vos fala, o presente artigo visa a abordar um assunto que talvez interesse o leigo, aquele que, munido de uma point and shot ou mesmo de um simples celular, pretende tão somente registrar sua passagem por determinados lugares, inserindo-se no cenário visitado e fotografado.
Fato é que muitas pessoas que visitam determinados lugares não desejam apenas fotografar o lugar em si, mas querem se fotografar no local, como uma espécie de comprovação de que estiveram realmente lá. Quem não subiu o Corcovado e não tirou uma foto de braços abertos com a estátua do Cristo Redentor de fundo que atire a primeira pedra!
Acontece que muitas vezes os monumentos são muito grandes para caberem numa foto e some-se a isto o fato de que a pessoa fotografada quer sempre ficar bonita no registro da viagem inesquecível e ainda quer ficar perto ou dentro do cenário para realmente sentirem que passaram por ali.
Temos aqui alguns conflitos que precisam ser solucionados para um melhor resultado:
- Cenários/monumentos muito grandes – grandes planos – exigem que o fotógrafo se posicione a uma grande distância ou tenha uma lente grande angular poderosíssima para poder enquadrá-lo em sua totalidade;
- Lentes grande angulares (lentes de pequena distância focal, que permitem uma visão mais aberta) causam distorções nas extremidades das imagens, não sendo, portanto as mais indicadas para fotografar pessoas (que querem ficar sempre lindas, lembremos disso!);
- Em razão da diferença de proporções entre a pessoa e o cenário a serem fotografados, quando o fotógrafo se afasta deste último para conseguir enquadrá-lo inteiro, aquela poderá ficar tão pequena que mal poderá ser identificável.
Se aqui o panorama já se afigura desfavorável, acreditem, sempre é possível piorar. E é aqui que entra a preguiça, como elemento do contra que contribuirá muito para que os registros dos passeios inesquecíveis se tornem frustrantes.
Por conta da minha timidez sempre preferi estar por trás das câmeras à frente das lentes. Isso me conferia certo status com algumas amigas aspirantes à modelo que me obrigavam a fotografá-las por horas a fio em diversos locais e nas mais variadas poses. Algumas vezes, no entanto, cheguei a ouvir frases deselegantes insinuando que eu demorava demais para bater uma simples fotografia porque eu era cheio de manias desnecessárias e sem sentido. Uma destas minhas manias era ficar de joelhos ou sentar-me ao chão para tirar determinadas fotos. Quando os papeis se invertiam no usual “agora tira você a minha foto”, em muitas ocasiões eu mal me posicionava e meu amigo fotógrafo me entregava a câmera dizendo que estava tudo pronto. Serei injusto se disser que todos os meus amigos faziam isso, mas cada um se reconhecerá aqui.
E é a estes comportamentos de questionar as “manias” e de disparar um botão sem sequer olhar o que se está enquadrando é que atribuo, neste texto, a qualificação de preguiça fotográfica.
Deixando de lado, por enquanto, aqueles conflitos acima citados, sobre os quais falarei mais adiante, vejamos as possibilidades que ocorrem nesta situação que acabei de descrever. Supondo que atrás dos meus amigos haja um monumento, uma estátua, uma construção histórica, o meu interesse enquanto fotógrafo era enquadrá-los de tal modo que o cenário inteiro fosse registrado e as pessoas também.
Enquanto fotografado, o mínimo que eu esperava era o mesmo esmero. No entanto, não raras são as vezes em que vemos uma estátua cortada da cintura para baixo, uma pessoa de corpo inteiro e muito chão. Por outro lado, ainda seguindo o exemplo da estátua, muitas vezes a vemos inteira com a cabeça da pessoa na linha inferior da foto, transmitindo uma péssima impressão de decapitação.
Isto acontece porque existe um aparente desnível quando enxergamos alguma coisa tridimensionalmente em diversos planos e tentamos visualizar apenas duas dimensões. Como assim? Ora, ao posicionarmos o indivíduo à frente e a estátua ao fundo, temos que considerar que existe uma distância horizontal entre ambas as figuras que vai da frente (primeiro plano) ao fundo (segundo plano).
Como a fotografia tem apenas duas dimensões, ou seja, largura e altura, a profundidade acaba se revelando ilusoriamente como item constitutivo desta última. É o que acontece nos exemplos ilustrados. Do ponto de vista da fotografia, os pés da estátua se encontram em uma determina altura, próxima da qual também se encontra a cabeça do indivíduo. O mesmo acontece em relação ao Solar Henrique Lage, que ilustra o artigo: o alicerce do casarão se encontra no nivel da cabeça do fotografado. E é justamente esta percepção que o fotógrafo precisa ter para compensá-la – o que falta no preguiçoso.
Quando seguramos uma câmera, normalmente não temos o mesmo campo de visão que temos quando olhamos apenas com nossos olhos e precisamos posicioná-la, adequando sua angulação em relação ao objeto da foto, bem como sua altura, de acordo com o que pretendemos fotografar. Assim, quando tentamos enquadrar um indivíduo de corpo inteiro, tendemos a manter a câmera à altura de nossos olhos e incliná-la para baixo. Por outro lado, para enquadrar toda a estátua, costumamos simplesmente levantar a câmera para abarcá-la.
Ocorre que, quando permanecemos com a câmera à altura dos olhos e a inclinamos para baixo, estamos direcionando sua lente para o chão, desprezando todos os elementos que estiverem no alto. Deste modo, a ilusória diferença de nível entre os objetos e a pessoa fará com que a câmera priorize os elementos baixos, ou seja, a pessoa e seu corpo inteiro e, claro, o chão. Da mesma maneira, quando elevamos a câmera, estamos afastando o chão do campo de visão, apontando-a para o céu. Com isto, qualquer coisa que esteja num nível relativamente próximo ao chão também será desconsiderada no enquadramento.
Nestes casos, fará uma enorme diferença se, em vez de simplesmente manter a câmera à altura confortável de seus olhos, inclinando-a para cima ou para baixo de acordo com a necessidade, o fotógrafo tentar mantê-la sempre reta, apontada diretamente para frente, regulando apenas sua altura em relação ao chão. Obviamente isto irá alterar a percepção das proporções e se fotografamos qualquer coisa de baixo pra cima, teremos a impressão de que sua base será maior que seu topo. O mesmo acontecerá quando fotografamos alguém de cima para baixo, dando a impressão de que sua cabeça é enorme e seus pés se afunilam. Mas, este é assunto que poderá ser discutido em outro texto.
Assim, quando eu começava com minhas estranhas manias de sentar ao chão para fotografar meus amigos em frente a monumentos que eu julgava que deveriam sair na foto, a minha intenção era justamente corrigir o desnivelamento entre a pessoa e o objeto fotografados, aproximando-os verticalmente e tentando deixá-los em uma altura aproximada dentro do campo de visão da câmera, permitindo enquadrar ambos os elementos na mesma foto.
Evidentemente, na prática, diversos outros fatores deverão ser levados em consideração e é claro que, em determinadas situações é perfeitamente possível que haja algum tipo prejuízo à melhor composição, seja pela distância entre os objetos, seja pela altura do monumento, seja pela regularidade do terreno… Cabe ao fotógrafo deixar a preguiça de escanteio e fazer os melhores ajustes que permitam obter os melhores resultados, ajoelhando-se, sentando-se ou subindo em pedras, bancos, etc.
Quanto aos problemas relatados no início, é fácil perceber que precisamos descobrir um meio termo já que estamos lidando com extremos. Desta forma, sabendo-se que obteremos os melhores resultados da fotografia da paisagem com uma grande angular e obteremos os melhores resultados da fotografia das pessoas com uma objetiva média de 55 mm, o ideal é alcançar equilíbrio, evitando-se distâncias focais inferiores a 24 mm e superiores a 55 mm.
Por fim, reiterando que assuntos de grandes dimensões podem ocupar facilmente toda a extensão da fotografia, exigindo que o fotógrafo se distancie, não é preciso que as pessoas que pretendem ser clicadas estejam próximas ao objeto, sob pena de ficarem tão distantes da câmera que desaparecerão em meio à paisagem.
Assim, deixo a última dica para quem pretende guardar os melhores registros do Cristo Redentor, da Torre Eiffel, do Big Ben ou da Torre de Belém: enquadre primeiro o cenário que você deseja ao fundo e somente depois disso, peça para a pessoa se aproximar de você, o suficiente para registrar suas melhores expressões, lembrando sempre que preguiça não combina com fotografia.