A Fotografia e o Cinema, Referências e Reverências
O cinema surgiu a partir da fotografia, isto é um fato, e algumas soluções técnicas usadas pela fotografia foram e ainda são utilizadas pelo cinema, como o filme em rolo com bitola de 35mm criado por George Eastman, fundador da Kodak, para captar imagens fixas que virou padrão do cinema até hoje. Para popularizar a fotografia, Eastman inventou ainda uma câmera que era vendida a um preço acessível e já com um rolo de filme suficiente para 100 exposições, a câmera era então enviada a Kodak que revelava as fotos e a devolvia ao cliente com um novo filme para mais 100 fotos. A estratégia foi um sucesso, e a Kodak cujo slogam era “pressione o botão, nós fazemos o resto”, tornou-se uma potência e é referência no mundo da fotografia até hoje produzindo não apenas filmes, mais químicos, papéis, e outros insumos.
Essa relação entre a fotografia e o cinema é portanto uma questão de genética e interdependência, um não existiria sem o outro e a importância da fotografia para o cinema é fundamental, é através dela que se captam as imagens que compõem um filme, com todas as opções técnicas como iluminação, enquadramentos, movimentos de câmera, cores, foco, composição, desfoque etc. Além disso, pode-se optar pelo uso dos mais variados equipamentos na captação de imagens, lentes específicas, filtros que ao final ajudarão no formato desejado para a obra cinematográfica.
Dependendo do tipo de fotografia escolhido para “rodar” o seu filme, o diretor insere sua obra em uma categoria específica, um movimento artístico e estético que ajude a “contar a história”, e certas abordagens fotográficas são características desses movimentos. A fotografia pode ser específica para um romance, para um épico, para um clássico de terror ou ficção científica, para um policial, para um western, enfim, para cada gênero de filmes pode-se optar por um modo de fotografar que seja mais um elemento da narrativa cinematográfica. Um dos movimentos estéticos que tem uma fotografia específica e determinante para seu sucesso é o “filme noir” que acabou por se tornar uma referência para fotógrafos.
Filme Noir, uma nova estética
A segunda guerra mundial, dizem, acabou com o que restava de ingenuidade e certezas no mundo, poderia haver potenciais inimigos ou espiões em todo lugar, inclusive na sua vizinhança, e a indústria do entretenimento, notadamente o cinema, refletiu essa nova lógica. Os roteiros passaram a retratar o mundo de uma maneira mais próxima do real, sem a dicotomia simplista da velha luta do bem contra o mal, dos vilões irrecuperáveis e dos heróis incorruptíveis, já não se encaixava nas histórias o mocinho de moral e caráter inquestionáveis, sempre disposto a sacrificar-se para salvar o mundo. Em seu lugar surgem os não tão heroicos personagens dispostos sim a salvar o mundo, desde que levassem alguma vantagem com isso.
Até as mulheres, antigas moçoilas sonhadoras e recatadas, dão lugar agora a mulher fatal, por vezes inescrupulosa e traidora, que usa com habilidade suas “armas naturais” para manipular os homens em prol de seus próprios interesses. As histórias têm tramas simples, na maioria das vezes já entregue nos títulos, “A morte num beijo”, “Fuga do passado”, “Anjo do mal”, “O cúmplice das sombras”, ”Um preço para cada crime”, “A maleta fatídica”, “Mortalmente perigosa”, “A dama fantasma”, “Os corruptos” etc. Os personagens mais comuns do gênero são, o gangster, o detetive não muito bem sucedido e invariavelmente uma loira fatal.
A estética da escassez
Havia pouco dinheiro para se produzir cinema, os esforços de guerra custaram caro também para os grandes estúdios, a solução encontrada foi enxugar o máximo os custos de produção. Nada de elencos milionários, usava-se atores em começo de carreira com menores cachês, às vezes um ou outro ator já consagrado era escalado com o intuito de atrair público, poucas locações, e pouca ou nenhuma “externa”, toda a trama rolava em estúdios, os cenários luxuosos dos grandes épicos dão lugar a criatividade para usar o mais barato e disponível, e era muito comum reciclar o que já havia sido usado em produções anteriores.
…e fez-se a luz
Para driblar a escassez de recursos, a maneira mais criativa e talentosa encontrada, foi o uso que se fez da iluminação, da luz, tanto que boa parte do sucesso dos filmes noir, como passaram a ser conhecidos os filmes feitos nesse período e com essa estética, se deve ao trabalho fantástico dos diretores de fotografia, dos técnicos em iluminação e dos fotógrafos. Os filmes eram senão todos, quase todos feitos em preto e branco, e para enfatizar o drama, o suspense, a iluminação era um show à parte. Os claros e escuros usados com sabedoria, a luz dura quase sem meios tons, as sombras densas moldando ou ocultando partes da cena. Esse estilo de iluminação, deu tão certo que influenciou muita gente de teatro e de outras artes visuais, e serve até hoje como referência para fotógrafos, eu por exemplo, adoro “brincar” as vezes com os poucos recursos que tenho em busca dessa luz.
As fotos que “ilustram” esse artigo foram feitas com poucos recursos técnicos, uma fonte de luz principal, um rebatedor para “devolver” luz em partes específicas da imagem, quando a luz principal vem por trás, o rebatedor ilumina parcialmente a frente da “cena”, ou o contrário, uma luz principal vindo de frente e um rebatedor devolvendo luz no fundo. A luz principal está em ângulo para direcionar as sombras, na foto com a persiana, a luz principal passa por ela para projetar luz e sombras no rosto do “personagem”, enquanto uma segunda luz, menos intensa, ilumina as costas. A Canon EOS 6D montada sobre um tripé com uma EF 24x70mm L USM 1:2.8, um disparador (que será tema de um outro artigo) na mão e a configuração é comum à todas: exposição 1/250 seg., ISO 100, medição padrão, modo manual e número f variando entre 20 e 16. Por conta da “pandemia” e por uma questão de contenção de despesas, o fotógrafo concordou em posar sem cobrar cachê.
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