Fotografia de espetáculos. O importante é não se fazer notar!
Em 2005, eu cursava pós-graduação em fotografia no SENAC SP, chegando ao final do curso, teríamos que apresentar à uma banca examinadora, um trabalho final com tema de nossa escolha que abrangesse boa parte das matérias ministradas no curso. Da nota final dada a esse trabalho dependeria nossa aprovação. Mil ideias, e nessa hora, a princípio as ideias nos parecem fantásticas, geniais… então vão ficando difíceis de executar, muito complicadas, e por fim, impraticáveis, e daí, de volta à estaca zero. É quando começa a bater o desespero, o tempo está passando, e os professores querem saber como estão os trabalhos, não basta nossa cara de pavor, eles adoram nos lembrar que resta pouco tempo.
Happenings
Eu, depois de descartar quase todas as ideias geniais que tive, fiquei com a última delas “artistas de rua”. Estava muito em moda em São Paulo naquela época, as tais “vitrines vivas”, um artista se vestia e se maquiava como um personagem, e se apresentava nas ruas ou praças, de preferência com grande circulação de pessoas, onde ficava imóvel por horas. Alguns mais talentosos ou afortunados, conseguiam contratos para participar de festas ou decorar vitrines de lojas, hoje são alguns poucos que ainda se apresentam assim, já não são novidade e embora o ritual permaneça, eles não chamam mais tanta atenção. Uma das minhas orientadoras gostou da ideia e me lembrou que esse tipo de arte remetia às “performances”, aos happenings, forma de apresentação artística que combina artes visuais e teatro, sem necessariamente utilizar texto ou uma representação formal, muito comum no final dos anos 50, ainda hoje alguns artistas se manifestam dessa forma.
Li alguns livros, pesquisei bastante, happenings, body art, beatniks, John Cage, Allen Ginsberg, FLUXUS, Carolee Schneemann… A grande dificuldade até aí era conseguir fotografar alguma performance ou happening para contextualizar, até fiz contato com alguns desses artistas nas ruas, mas eles não topavam, quase sempre por não “rolar nenhuma grana”, ou por questão de agenda, acreditem alguns desses caras tinham uma agenda insana nessa época, ou impunham condições que fugiam um pouco do “espírito” do meu TCC. Eu tinha pouco tempo e nada para apresentar, só uma ideia, um projeto que não evoluía.
…de repente uma saída
Eu conheço um músico Gereba Barreto, que a época estava em cartaz num teatro da cidade com uma peça intitulada “Sertão sertões são”, um musical em homenagem ao centenário da primeira edição de Os sertões de Euclides da Cunha. Ele me convidou para assistir ao espetáculo e lá o ator e diretor Robson Vellado, sabendo que eu já havia fotografado Gereba em um outro trabalho, me pediu para fazer umas fotos da peça. No final de semana seguinte lá estava eu, munido de uma Canon EOS 30 (analógica) carregada com um filme Kodak Tri-X 400 preto e branco. Eu optei por fotografar em preto e branco por dois motivos, primeiro achei que combinava muito bem com a estética da peça, tanto o cenário e a iluminação quanto os figurinos eram bem crus, simples já que em cena estavam Antonio Conselheiro e alguns poucos personagens, e porque eu mesmo queria revelar os filmes em nossas aulas de laboratório, já havia feito isso com umas fotos de um espetáculo de dança que fotografara e gostado muito do .
…sem flash
Logo na entrada do teatro, depois de me identificar e explicar o que viera fazer, as primeiras orientações/restrições, sem circular muito, de preferência sem circular, e nada de usar o flash. A pessoa foi taxativa, NADA DE FLASH, ou não seria possível fazer as fotos. Aí até que foi tranquilo, no espetáculo de dança que mencionei antes as exigências foram maiores, a pessoa que me recebeu disse com firmeza que em hipótese alguma eu poderia sair do meu lugar ou me levantar, ela até achou que estava me fazendo um grande favor me colocando sentado na primeira fila bem ao pé do palco. Agora imaginem, sentado na primeira fila, sem poder me levantar, num espetáculo de dança, a menos que os bailarinos viessem a beira do palco, eu jamais conseguiria fotografar seus pés, aliás devo ter conseguido uma única vez, já que toda a ação se desenvolvia no meio do espaço cênico.
De volta ao TCC…
Feitas as fotos da peça “Sertão, sertões são”, e depois de revelar e ampliar os filmes, mostrei o resultado para o professor de laboratório, conversamos sobre o resultado e ele perguntou como estava meu projeto de TCC. Contei das minhas dificuldades para viabilizar o trabalho com os “artistas de rua”, e ele me aconselhou, já que o tempo para a entrega e apresentação dos trabalhos estava acabando, a mudar o tema, sugeriu que abordasse “fotos de espetáculo”, pois embora houvesse pouca literatura a respeito, eu já tinha as fotos faltando apenas encontrar uma maneira de contextualizar.
De volta à biblioteca, realmente foi difícil encontrar literatura direcionada a fotografia de espetáculos, alguns poucos fotógrafos/autores dedicados ao tema escreveram livros sobre seu trabalho. Mas consegui produzir alguma coisa abordando a parte mais diretamente ligada a fotografia, como luz, câmeras e lentes apropriadas para se produzir boas imagens nessa área específica. E sobre as dificuldades para trabalhar com fotografia de espetáculos, se na maioria das pautas jornalísticas o fotógrafo deve ser muito discreto, interferindo no ambiente o mínimo possível, em fotografia de espetáculos essa discrição deve ser maior ainda, o ideal é que ele não seja notado.
E pensando um pouco é compreensível todo esse rigor, imaginem alguém que pagou caro por um ingresso, e no meio do espetáculo um fotógrafo sem noção, começa a circular livremente pelo teatro procurando um melhor ângulo para conseguir uma “boa foto”, sem se importar se está ou não atrapalhando o público. Quanto ao uso de flash, convenhamos, ele incomoda e pode tirar a concentração de atores, bailarinos ou artistas durante as apresentações, além de “matar” qualquer efeito de iluminação que esteja sendo usado. Eu me lembrei agora, de uma vez há muito tempo em que fotografei um show da cantora Elba Ramalho ainda com filme, eu usava uma Olympus OM 10 com um “motor drive” barulhento. Para quem não conheceu ou não se lembra, “motor drive” era (é eu ainda tenho o meu) um dispositivo acoplado à câmera que, alimentado por baterias avança o filme a cada disparo, ao menos tive o bom senso de não usar flash nem ficar andando de um lado para outro, mas as pessoas devem ter me odiado por conta do barulho do motor drive a cada foto que eu fazia.
Então, seja discreto, esqueça o flash e aproveite o espetáculo…
Em shows as luzes são sempre uma atração à parte, tanto que sua concepção está sob responsabilidade de técnicos e engenheiros que trabalham muito, usam equipamentos cada vez mais sofisticados controlados por uma parafernália eletrônica impressionante, são lasers, canhões, globos e outros recursos que transformam esses eventos numa experiência visual incrível, agora se você de forma imprudente dispara o seu flash, você está “matando” esse trabalho todo, tirando a concentração das pessoas e sua foto pode estar perfeitamente focada, mas você terá perdido toda a magia criada pela iluminação.
Nessas fotos a seguir, feitas sem disparar o flash, os efeitos de iluminação estão expostos exatamente como projetados, embora possa haver um pequeno desfoque nas pessoas em cena. A câmera usada foi uma Canon EOS 1D Mark III com uma lente EF 70x200mm 1: 2.8 L , a exposição variou 1/100 – f/2.8 – ISO 1600 – modo manual – medição padrão e Canon EOS 7D – com 24x70mm f/2.8 com 1/60 – f/3.5 – ISO 2500 – modo manual – medição central ponderada.
Em tempo, apresentei meu TCC no último dia do prazo e… minha nota foi 9,5. Ufa!!!
Tag:artista, Espetáculo, Happenings, sem flash