Junku Nishimura (1967): o “último” fotógrafo de rua japonês…
Em tempos de espetacularização imagética do urbano (i.e. “fotografia de rua”) com os seus milhares de aspirantes à Bruce Gilden, Alex Webb ou Daido Moriyama vagando pelas ruas e pelos sites de fotografia, notamos que pouco se tem “criado” no universo da fotografia urbana, apesar desta modalidade ter se massificado nos últimos 10 anos. Um dos lados negativos dessa “pasteurização” do clique urbano, pode ser notado na relação entre qualidade x quantidade, a primeira diminui enquanto a segunda inunda o espaço da web…
Neste universo de consumo de imagens (ver Instagram etal.) cujo fluxo contínuo acaba por desabilitar nosso olhar para o diferente – na busca por “likes” ou ser “popular”- anestesiando e reordenando a maneira de enxergar o universo a nossa volta, podemos também encontrar um bom material fotográfico (i.e. autoral). Meu interesse aqui é apresentar um fotógrafo japonês (o “último”?) que sabe transitar – como poucos – neste fluxo incessante de imagens, produzindo FOTOGRAFIA autoral: Junku Nishimura.
O Japão, como já mencionei anteriormente em outras colunas, carrega uma tradição em fotografia que pode ser comparada à norte-americana ou à francesa, pródiga em apresentar novos conceitos e estéticas cujas nuances entre o “olhar japonês” e as referências estrangeiras ora se fundem, ora dialogam ou simplesmente “se afastam”. Junku san na minha opinião (de grande admirador e amigo também…) representaria esse universo japonês de ver o mundo, muito associado esteticamente à fotografia produzida entre os anos de 1950-1970 no país do Sol Nascente e com um ar de nostalgia. Seu “enxergar” fotográfico intuitivo (como todo grande fótografo urbano deve ser) e melancólico cria um oceano de imagens analógicas de tons densos, monocrômicos, de uma banalidade humana indelével e bem pessoal, na definição do próprio: tentando captar memórias do passado… Sobre essa relação em entrevista ao photoblogger Eric Kim ele comentou:
I miss the people from my past a lot, but I think this makes me stuck. I believe that photographers should think about new ways—and look into the present and future. But I’m not that type of photographer. I miss the past, past, past. Always the past. I still think a lot of my childhood and the coal-miner people. So I guess I still stick to that.
Quando planejei escrever esta coluna introdutória sobre a obra de Junku san, havia preparado cerca de 10 perguntas objetivando introduzí-lo ao público luso-brasileiro, mas percebi que na internet há uma boa quantidade de elucidativas entrevistas (ver links no final) sobre a trajetória de vida, obra e o seu “espartano” combo: uma câmera (Leica M5) e uma objetiva (Summarit 50mm f/1.5). Por isso, resolvi nestas linhas dialogar com a obra deste fotógrafo, que considero uma verdadeira “ode às sombras”, cuja antiespetacularidade nos conduz a um universo de não-dizeres explícitos. O próprio fotógrafo em entrevistas (e pessoalmente) comentou que o seu vocabulário imagético se norteia em três elementos: “Vida, Verdade e Morte”. Os sujeitos capturados por suas lentes, além de um certo intimismo, compartilham conosco uma mundanidade sútil e avessa ao extraordinário ou a “complexidade” tão comum à fotografia – dita “de rua” – (re)produzida nos dias de hoje.
Diferentemente de muitos fotógrafos urbanos (ou não), o mesmo não trabalha com projetos ou séries pré-concebidas. Como todo bom DJ que se preze, Junku san seleciona e (re)produz imagens cotidianas a partir de um senso estético refinadíssimo e de uma habilidade ímpar no processo de impressão, criando obras densas, poéticas e ao mesmo tempo distantes, como se em algumas fosse impossível adentrar a esse universo tão dele. A sua maneira de enxergar o mundo acaba por reforçar o caráter intimista da sua linguagem fotográfica, inicialmente representada por imagens em p&b contrastadas, mas que nos últimos trabalhos vêm se diluindo em contrastes mais amenos. Decisão que na minha opinião cria um universo menos intimista e misterioso e mais humanista e aberto a reflexões sobre o olhar do fotógrafo.
E o rapaz já esteve em terras brasileiras expondo nas cidades de São Paulo e de São Carlos em 2011 no início da sua trajetória como fotógrafo urbano. Sorte de quem pode apreciar o seu trabalho frente a frente. Uma história curiosa: há cerca de dois-três anos o instrumento de ofício de Junku san começou a apresentar problemas, impossibilitando-o por um período de fotografar (sim, ele só tem uma câmera…), sabendo disso muitos amigos (e fãs) se prontificaram a emprestar ou mesmo comprar uma outra Leica M5 (ou M6) para ele. Como excelente pessoa que é (realmente com um grande coração!) ele agradeceu a todos e esperou pacientemente que a mesma fosse reparada, voltando pouco depois a retratar o demi-monde a sua volta – seja em Yamaguchi, Osaka, Nagoya, Tokyo ou no exterior – com sua estimada M5.
Um mestre da fotografia analógica que sabe transitar entre o “novo” (universo da web) e o “velho” (produção/impressão/exposição) como poucos e que na minha opinião, além da sua inequívoca obra, autoral por excelência, Junku san nos faz refletir sobre os (des)caminhos da fotografia autoral produzida no Japão na última década. Seria ele o “último” fotógrafo de rua japonês?
Nota: As imagens aqui reproduzidas possuem direitos autorais (Junku Nishimura e Junko Ono) e não podem ser reproduzidas sem a permissão dos autores.
Links:
- http://www.burnmyeye.org/junku-nishimura/
- https://www.flickr.com/photos/junku-newcleus/
- https://vimeo.com/110257164
- http://blog.leica-camera.com/2011/07/07/junku-nishimura-street-shooting-set-to-music/
- http://invisiblephotographer.asia/2010/07/31/invisibleinterview-junkunishimura/
- https://www.lensculture.com/junku-nishimura
- https://www.lomography.com/magazine/140881-junku-nishimura-the-midnight-boozer-with-a-leica-m5
- http://hesomagazine.com/photographic/lost-interview-series-photographer-junku-nishimura/
- http://invisiblephotographer.asia/photographers/junku-nishimura/
- https://www.japancamerahunter.com/2013/02/featured-photographer-junku-nishimura/
- https://www.westendcameraclub.com/blog/2017/4/5/video-junku-nishimura-picking-up-pieces-of-my-memories