Renato Miranda: A pessoa por trás do “I love my job”
Ele trocou a engenharia – algo dado como certo – aos 29 anos e se aventurou na fotografia para somente então se encontrar. Mas esse amor começou quando ainda criança ele se apaixonou pela “Biblioteca da Natureza”, da antiga revista Life. Queria porque queria saber que tipo de profissão era aquela que o fazia vontade de estar com os bichos, de conhecer a rotina daquele profissional.
Tanto sonhou e lutou que conseguiu. Renato Rocha Miranda, 39, mais conhecido na rede como @i_lovemyjob, se tornou fotógrafo. E mais: trabalha para a maior rede de telecomunicação da América Latina, Rede Globo. Se antes era apaixonado por fotografia de natureza, hoje adora retrato e fica realmente feliz se puder juntar essas duas vertentes dentro da fotografia. No blog que ele mantém, dá inúmeras dicas do uso do flash.
Com formação inicial em Engenharia Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), fez vários cursos na antiga Visual Artes (atual Imagens e Aventuras) e workshops com Clicio Barroso. Hoje – além de todo o trabalho – cursa Direção de Fotografia na Escola Internacional de Cinema. E mais: toda terça-feira, 22 horas (no Brasil) realiza um bate-papo com fotógrafos pela twitcast.me, que pode ser visto via twitter ou pelo blog.
Ele quer que, além dos brasileiros, portugueses participem. Tudo isso porque tem um grande sonho: integrar através do seu blog pessoas que falam português, estejam elas aqui no Brasil, em Portugal, na África, na Índia e até mesmo no Japão. A seguir, o nosso bate-papo com Renato, feito por e-mail:
FOTOGRAFIA DG – Onde, como, onde e por que começou seu interesse por fotografia?
I LOVE MY JOB: Começou quando eu era bem pequeno, meu pai comprou de presente para mim uma “Biblioteca da Natureza”, da antiga LIFE, que era separada em 16 livros com assuntos variados como: “As Montanhas”, “Os Mamíferos”, “Os Desertos” etc. Eu li cada livro daqueles uma centena de vezes, mas ficava impressionado com as imagens, nem imaginava que havia a profissão de fotógrafo, mas batia uma vontade enorme de estar ali ao lado da pessoa que as fazia, de conhecer aquele lugar, de ver aqueles bichos, de falar com aquela gente. Curioso você me fazer essa pergunta, porque foram esses livros que despertaram em mim a vontade de ser fotografo, só que eles sumiram lá de casa um belo dia, procurei-os em sebos, Ebay e livrarias por mais de 30 anos e semana passada, na comemoração do meu aniversario de 39 anos, os recebi de volta como presente. Minha irmã mais velha os tinha guardado e eu não sabia. Estão intactos, do jeito que os deixei da última vez que os li. Agora repousam na minha estante e me dão uma alegria e uma emoção indescritíveis.
Tarcício Meira
DG: Foi difícil a mudança da Engenharia para a Fotografia? Por quê?
I LOVE MY JOB Foi dificílimo, eu tinha 29 anos e já era sócio de uma empresa junto com meu tio, que construía apartamentos caríssimos em Ipanema e Leblon, bairros nobres aqui do Rio, também já estava casado e não sabia como contar essa decisão para todos. As reações não foram boas, achavam que eu estava maluco por trocar algo concreto e certo por uma “maluquice romântica e juvenil”, que seria apenas mais um fotógrafo no mundo e eu mesmo me cobrava se teria talento para essa nova profissão, se conseguiria me manter com a fotografia. Só que estava imensamente infeliz, e eu tinha que tentar…e tentei!
DG: Onde fez seus cursos e qual deles gostou mais? Foi o de Natureza?
I LOVE MY JOB: Fiz os primeiros na Imagens e Aventuras e o de Natureza foi o que mais me aproximava das imagens que via naqueles livros, meu sonho era ser fotógrafo da National Geographic.
DG: Como foi o período que ficou sem arranjar nenhum trabalho? Dúvidas surgiram? Críticas por parte de amigos, familiares?
I LOVE MY JOB : Fiquei um ano sem arrumar trabalho, as únicas imagens que tinha eram de uma expedição fotográfica ao Nepal que fizera um ano antes, dúvidas e dívidas surgiram. Rsrsrs. Não escutava muitas criticas, mas sabia que lá dentro as pessoas estavam receosas, continuavam a me achar um maluco inconseqüente.
Cheguei a me afastar um pouco das pessoas por receio de ouvir essas críticas, mas no final alguns amigos até me elogiaram por ter tido a coragem de ir atrás de um sonho.
Nepal
DG: Seu trabalho… o primeiro deles? Qual a sensação que ele te deu e qual ele te dá até hoje?
I LOVE MY JOB : O primeiro trabalho profissional foi fotografar o programa “NO LIMITE 3” , da Rede Globo, gravado na Ilha de Marajó, no Pará. Fiquei com um medo absurdo, pois pela primeira vez na vida fazia algo que nunca tinha feito, com pessoas que não conhecia e com uma nova máquina digital (uma saudosa Nikon D1) que nunca havia utilizado. Mas como queria ser fotógrafo sabia que aquele era o meu desafio, que era a prova que eu precisava para me testar e até hoje sinto que fiz a decisão mais certa da minha vida, basta uma imagem boa para eu ficar feliz o dia todo.
DG: Como é trabalhar para a Globo? Quais os trabalhos que mais foram prazerosos de fazer? E a equipe?
I LOVE MY JOB: A Globo é a maior empresa de telecomunicações da América Latina, uma das 5 maiores do mundo, o trabalho é imenso, intenso e feito em uma velocidade descomunal, já conheci metade do mundo graças às viagens que faço e com e empresa aprendi que excelência não é uma virtude, mas um hábito. Entrei cru e foi a equipe que me ajudou bastante nesses anos de convivência, aprendo muito sobre luz e produção observando outros profissionais trabalhando, é uma senhora escola de vida. Eu amo o que faço, então não dá para te contar qual foi o mais prazeroso, consigo tirar prazer de todos eles, todos acabam me ensinando alguma coisa. O mais prazeroso é o próximo trabalho!
DG: E o interesse por flash? Surgiu onde? Pergunto isso porque não são todos os fotógrafos que gostam de flash, e mesmo aqueles que gostam, nem todos sabem lidar. Qual é a importância, segundo você, sobre o flash?
I LOVE MY JOB: O interesse pelos flashes surgiu das necessidades diárias, trabalho em vários tipos de ambientes e situações de luz, sempre com pedidos de retratos específicos e nem sempre tenho a minha disposição a luz mais perfeita de todas. Vendo o trabalho de outros fotógrafos como Joe McNally, David Hobby, do Strobist, percebi que o flash podia me salvar de situações com uma iluminação ruim ou que podia fazer a realidade que eu via mudar graças ao flash. Como trabalho sozinho e não posso carregar muito peso, ter um flash a mão me ajuda bastante. Para o meu tipo de trabalho, o flash é indispensável. E sua importância está no fato dele permitir o primeiro contato do fotografo com o comportamento único da luz.
DG: O que falta no ensino do flash?
I LOVE MY JOB: Falta ele ser corretamente ensinado. Os manuais não ensinam nada, só complicam, os fabricantes vendem o flash como um acessório que dispensa o pensamento do fotógrafo, basta clicar e ele faz tudo sozinho, o que não é verdade, as informações disponíveis na internet ou em alguns livros são cheias de erros crassos, como por exemplo, afirmar que o numero guia do flash é o indicador de potência do aparelho. No I LOVE MY JOB mostro como isso é fisicamente impossível e como a simplificação do que já era simples afastou o fotógrafo da compreensão de todos os fatores que ele precisa para entender o comportamento da luz e do flash. Um flash portátil é a porta de entrada para o conhecimento da luz e essa compreensão é universal, os conceitos aprendidos com os flashes podem ser levados para um estúdio, onde se usa equipamentos diferentes, mas os conceitos são os mesmos.
Ele existe para ser seu amigo, não inimigo. Por isso os chamo de “cães” no blog, os melhores amigos de um fotógrafo.
Debora Nascimento (atriz) e Claudia Raia
DG: Seu blog conta o dia-a-dia do seu trabalho, em uma espécie de diário de bordo com dicas fotográficas. Qual foi o alcance dessa perspectiva de blog?
I LOVE MY JOB: Eu comecei a escrever o blog como um acervo para mim mesmo, nunca imaginei que ele seria lido por tanta gente justamente pela linguagem simples com a qual escrevo. A ideia do blog era reunir algumas experiências minhas para que eu pudesse revê-las em qualquer canto onde estivesse, uma espécie de referência on-line para novas idéias a partir das já testadas. Mas a propaganda boca-a-boca aliada à velocidade das redes sociais fez com que ele ultrapassasse qualquer objetivo inicial. Hoje ele é acessado por gente do mundo inteiro, me assusto com os locais de alguns emails que recebo, já li gente me escrevendo até de Bangladesh e depois do Brasil, Japão e Portugal são os países que mais acessam o I LOVE MY JOB, juntos eles representam metade da audiência do Blog.
DG: O que espera conseguir com o I LOVE MY JOB?
I LOVE MY JOB: No primeiro artigo do blog eu conto que gostaria que ele fosse um ponto de encontro para a troca de experiências entre fotógrafos aqui no Brasil, mas como te contei acima, não acreditava que isso fosse possível até pela minha ignorância inicial sobre a velocidade das redes sociais. Aqui no Brasil o I LOVE MY JOB é bem conhecido, mas como vejo que brasileiros em todo canto do mundo e falantes da língua portuguesa também acessam o blog, tenho como objetivo reunir todos eles em volta do blog. Quero que os fotógrafos do Brasil, Japão, Portugal, das ex-colônias portuguesas na África e até na Índia possam trocar informações e experiências. O Brasil é resultado de um caldeirão de misturas, quero ver essa mistura novamente só que na fotografia. Recentemente coloquei a possibilidade do conteúdo ser traduzido para qualquer língua com o toque de um botão, graças ao Google Translator, óbvio que a tradução não será perfeita, mas a essência do que escrevo está ali e com o avanço da tradução on-line a minha expectativa é que o blog alcance cada vez mais leitores ao redor do mundo. O I LOVE MY JOB fala sobre a paixão humana pela produção de imagens, isso está dentro do nosso DNA, não importa em que lugar o leitor viva, e tento mostrar que não se precisa de muito ou caríssimos equipamentos para se criar uma boa imagem, já nascemos com o melhor de todos os instrumentos: olhos, coração e cérebro. Adoraria saber e ver que o que eu escrevo ajudou na criação de um retrato com flash feito por um fotógrafo angolano, em uma foto macro feita por um morador de Lamego (que já visitei aí em Portugal), um ensaio externo de moda em Goa feito com os flashinhos e assim por diante.
DG: Com quanta frequência você faz workshops? Quando começou a fazer e por quê? O que precisa?
I LOVE MY JOB: Não há como manter uma freqüência precisa por conta das peculiaridades do trabalho na Rede Globo, não tenho uma rotina fixa e trabalho também durante os finais de semana, então é difícil programar algo com antecedência, normalmente a cada semestre tem um workshop aqui no Rio, começo a receber emails me perguntando quanto acontecerá o próximo, aí sinto que é a hora de fazê-lo. Comecei a fazer o WS entre amigos e fui formatando o curso até encontrar uma fórmula que parece ser a ideal: simples e objetivo, direto ao ponto.
Consegui tirar férias longas agora e estou aproveitando o tempo livre para estabelecer contatos em várias regiões do Brasil e até em Portugal e no Japão. Já fechei workshops aqui no Rio, Recife, Vitória, Brasília, Cuiabá e estou conversando com fotógrafos de Portugal para montarmos um workshop no país.
Preciso de muito pouco: são 2 dias de curso, o primeiro é uma aula teórica onde falo sobre os flashes e explico sua programação e uso e no segundo é a parte prática e análise das fotos. No link abaixo os interessados em levar o curso para seus países ou estados podem ter todas as informações de que precisam:
http://www.ilovemyjob.com.br/blog/o-workshop/
E quem quiser saber mais detalhes ou se comunicar comigo diretamente pode escrever para o meu e-mail: renatorochamiranda@gmail.com. Acredito que a única saída para melhorar o mercado fotográfico como um todo está na educação, meu sonho é espalhar o I LOVE MY JOB por todos os cantos possíveis, quero ver até onde esse sonho pode nos levar.
DG: O que acha da troca sobre fotografia que acontece na rede?
I LOVE MY JOB: Vejo a troca acontecendo entre grupos fechados e pequenos perto do potencial que a Internet tem e penso que a rede facilitou muito a exposição das fotos, mas a carência de informações básicas para quem está começando ainda é muito grande e observo mais preocupação com o equipamento e maneirismos digitais do que com o ato de clicar. O volume de fotos expostas também é muito grande o que dificulta a percepção mais apurada e a criação de um estilo próprio.
DG: Prefere edição ou é um purista?
I LOVE MY JOB: Prefiro resolver os problemas na hora em que estou clicando, comecei a fotografar na época da transição entre o filme e o digital, então me acostumei ao hábito de parar e pensar na foto no momento em que ela está sendo feita. Na Globo clicamos, em média, 300 fotos por dia, não há tempo disponível para tratar esse volume todo e muitas vezes fazemos a imagem e ela é imediatamente enviada ao jornal ou revista. Ela tem que sair perfeita no momento do clique. Uso programas como o Lightroom e Photoshop, mas entendo que eles são ferramentas para separar o joio do trigo e “revelar” a sua foto no modo digital, acho que o pensamento “depois ajeito isso no Photoshop” não contribui muito para a evolução do fotógrafo e as chances de se tomar um caminho errado e ter um resultado completamente diferente do que se pensou no início pode levar a alguns enganos. Como em tudo na vida, são ferramentas poderosíssimas, mas penso que devem ser usadas com prudência e, principalmente, bom gosto.
DG: Qual a maior dificuldade hoje para o fotógrafo brasileiro?
I LOVE MY JOB: O preço dos equipamentos é “salgado” por conta dos impostos e fora da realidade brasileira e a quantidade de gente que compra uma DSLR e passa a se considerar “fotografo” é imensa, mas o processo inteiro está viciado, da mesma forma que em uma ponta existe gente despreparada clicando, na outra tem gente descuidada comprando, o que não forma um mercado clássico, mas um leilão injusto e cruel. Não é bom para ninguém, todos acabam perdendo.
DG: O que mais gosta de fotografar? Por quê?
I LOVE MY JOB: No início de minha carreira adorava fotografar Natureza, é engraçado que nas minhas primeiras fotos você não vê um vestígio da presença humana, era natureza pura e crua. Hoje me sinto feliz fazendo fotos no meio do mato, me desligo do mundo, mas o trabalho na Globo e o contato com o flash me ajudaram na paixão por retratos também. Se eu conseguir reunir em um trabalho a possibilidade de fazer um retrato no meio do mato, aí você verá alguém bem feliz trabalhando…rsrrss.
Fernanda Machado e Minissérie – Hoje é dia de maria
DG: Quais são suas referências?
I LOVE MY JOB: Basicamente os grandes pintores, acho que o fotógrafo tem que gastar sola de sapato visitando museus, observando quadros e esculturas. Os maiores gênios da humanidade deixaram em suas telas todas as dicas de direção e qualidade de luz, posicionamento de modelos em relação à iluminação e uso da perspectiva que perturbam fotógrafos até hoje. Vermeer, Rembrandt, da Vinci, Goya, Michelangelo, Caravaggio , entre outros, eram “tocados por Deus”, tinham uma sensibilidade além do possível, um estudo de qualquer quadro deles vale por um curso de fotografia.
Mas entre fotógrafos curto Irving Penn, Ansel Adams, Helmut Newton, Avedon, Walker Evans, Edward Weston, Weegee, Koudelka, Nadar, Clicio Barroso, Leonardo Aversa, Miro, Trípoli, entre vários outros.
DG: Deixe uma mensagem pros leitores do DG
Quero agradecer a presença dos leitores portugueses no I LOVE MY JOB, abri até uma galeria no Olhares para facilitar nosso contato: http://olhares.aeiou.pt/ilovemyjob
E se não fosse muito abuso, pedir que vocês me ajudassem na divulgação do blog em Portugal, acredito que da mesma forma que ele vem ajudando fotógrafos iniciantes aqui no Brasil, pode fazer o mesmo em Portugal. Ver que esse sonho está rompendo barreiras e fronteiras é muito gratificante. No mais, desejo sucesso a todos!
http://www.ilovemyjob.com.br/blog
Boa Luz e Boa Sorte!!