Você Deseja ser um Fotógrafo ou um Operador de Câmera Fotográfica?
Consciência Artística
Sempre foi natural de o homem procurar o registro puro e simples dos acontecimentos à sua volta. As pinturas rupestres das cavernas pré-históricas, os primeiros registros visuais e tentativas de escrita, bem como as inscrições hieroglíficas (escrita de caráter simbólico) do antigo Egito e imediações, são testemunhos desta necessidade, desde os mais remotos tempos. Mas, uma vez dominada a técnica do registro através do desenho, o homem passou então a desenvolver dimensões estéticas destes registros, que se preocupava não apenas com a simples representação, mas uma representação que traduzisse a ideia do belo, do agradável e da harmonia. A essa dimensão estética da representação denominou-se ARTE.
Portanto, pode-se considerar razoável que há muito tempo o homem busca imitar suas ações em aparência, sendo tanto uma necessidade sociocultural como religiosa. E, por vezes, ambas, pois na Antiguidade não havia dissociação entre a vida social e a vida espiritual em muitas sociedades. Esse foi o primeiro conceito de estética, pois a busca do belo e perfeito representava a busca pela própria divindade. Posteriormente, muitos ritos e símbolos deste conhecimento milenar foram se perdendo e a representação passou a ser, para a maioria das pessoas, apenas uma curiosidade histórica, um elo de uma corrente no desenvolvimento cronológico da arte, ou ainda a depositária de certas tradições, única forma de mantê-las vivas. Atualmente, só temos conhecimento da existência desses rituais e de uma simbologia antiga através de suas reproduções visuais.
Isso não se dá por mera coincidência. Diversos estudos recentes sobre psicologia, especialmente sua ramificação visual, apontam de maneira incisiva para o potencial sintético que encerram certas imagens, ou seja, modelos e símbolos visuais são capazes de armazenar uma grande quantidade de informação, em pouco espaço. Exemplo disso é a escrita ideográfica oriental, em especial a chinesa e a japonesa.
Existem ideogramas básicos que encerram determinados significados, e um sem-número de outros ideogramas podem ser formados a partir da superposição de dois ou mais significados, depositando num único símbolo um determinado conhecimento. É uma escrita sensível, cuja inteligibilidade depende da sensibilidade em interpretar combinações simbólicas.
A nós parece coisa de outro mundo, mas há milênios que a escrita oriental é praticada desta maneira.
De mesma estrutura parece ser constituído o sonho, que, segundo Sigmund Freud (3) (médico neurologista e criador da psicanálise) e mais tarde Carl Gustav Jung (4) (psiquiatra e psicoterapeuta suíço que fundou a psicologia analítica), são traduções simbólicas de imagens inconscientes, podendo uma única imagem padrão traduzir toda a psique (alma, ego) de um indivíduo.
Portanto, um único símbolo visual é capaz de armazenar um conhecimento muito grande, que tomaria um enorme tempo e espaço se fosse guardado e transmitido por palavras.
De qualquer maneira, não há como negar o fascínio que a imagem exerce sobre nós, um maravilhamento que vai da simples constatação de probabilidade até a admiração estética mais profunda, um canal de transmissão de conhecimento, emoções e ideias. Onde reside esta magia?
Os gregos foram, sem dúvida, os primeiros a teorizarem sobre a natureza da representação artística, seu valor e sua utilidade. Pitágoras (5) (filósofo e matemático grego), por exemplo, via na música a manifestação artística da matemática.
Mas, um dos primeiros estudos registrados sobre a qualidade da aparência, bem como sua função estética, política, social e religiosa, foi enunciado pelo filósofo grego Aristóteles (6) (500 a.C.) em uma obra denominada Poética. Embora tenha como ponto de partida a análise da tragédia, é sabido que, para o homem grego, a arte poética não era limitada, como é hoje, à literatura. Pois poeta, do grego poietes, significa ‘aquele que faz’, e a poética, poiesis, ‘capacidade criadora’.
Assim, todo o poeta era um artesão que criava, fazia, e sua área de atuação abrangia diversas instâncias do conhecimento, desde o artesanato até a música, pintura, artes dramáticas e literárias.
Mas, para adentrar na esfera estética, ser chamado ‘artista’ (tal como hoje conhecemos) era preciso mais: era preciso sentir. Daí o termo estética, que vem do grego aisthesis, ‘sentir’. Aristóteles via na poética, que para os gregos subentendia a manifestação dramática, literária e poética propriamente dita, a recriação da realidade na obra literária da sociedade.
Mas quanto à imagem, Platão (7) (filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga), deu-nos os princípios básicos, válidos até hoje, do comportamento estético frente às artes visuais e que atualmente inclui a fotografia e o cinema.
Para Platão existem dois tipos de imagem: uma objetiva, detectada por nossos sentidos da consciência, e outra subjetiva, advinda de uma ideia, de um pensamento. A necessidade desta subdivisão entre o mundo real e o mundo das ideias partiu da premissa (ponto ou ideia de que se parte para armar um raciocínio) de que tudo o que existe no mundo real é fruto do mundo das ideias.
Embora os atributos filosóficos desta premissa quanto ao mundo natural sejam deveras complexos e necessitaria de um estudo específico para tal, podemos nos fixar, para fins do presente estudo, nas artes, da qual a fotografia faz parte. No campo da arte, é bastante claro que toda a produção artística provém de uma ideia, e é manifestada no objeto de arte pelo artesão competente para tal. A ideia, portanto, antecede a realidade estética, e nela situa-se a matriz criadora de toda e qualquer manifestação artística. A importância deste conhecimento para nossa finalidade se faz evidente quando temos que produzir ou entender uma obra de espírito artístico, pois só conseguimos chegar a algum resultado na compreensão ou produção de uma obra se tentarmos detectar e interagir com essa matriz. A colocação em evidência desta pequena gota, tirada do oceano platônico de conhecimento, será para nós importantíssima no decorrer de um curso de fotografia, pois aqui está um pequeno compêndio técnico que precisará desta chave para ser posto em prática enquanto manifestação estética, tanto para a produção da arte fotográfica quanto para sua apreciação.
Bem ou mal utilizada, a imagem artística estática (fotografia) é uma arma capaz de alterar hábitos, costumes, opiniões e modos de vida de muitos, simultaneamente; sem dúvida uma poderosa arma política e ideológica, mas evidentemente, não podemos nos esquecer de que a imagem em si não é boa nem ruim, nós é que a revestimos de significado, e daí é sempre bom recordar a responsabilidade que temos ao produzir imagens. Sua expressão na sociedade humana como um todo é eminente tanto como registro documental quanto artístico. Tal fato está provavelmente ligado, filosoficamente, ao mundo de ideias perfeitas a que todos, consciente ou inconscientemente, buscamos; o mundo platônico. A fotografia seria a imitação mais próxima desta ideia de representação visual que gera ligação direta com o objeto fotografado.
Assim, a fotografia e o cinema têm raízes comuns, não apenas tecnicamente, uma vez que o cinema é uma sucessão de fotogramas, mas também filosoficamente. A mesma busca pela harmonia da representação ideal, de onde decorre o valor estético da arte, foi alcançada pela fotografia no eixo do espaço, e pelo cinema no eixo do tempo, complementando-se.
E então, você irá se dedicar a ter uma consciência artística para realizar seu trabalho ou deixará que sua câmera “enxergue” e a partir daí faça o trabalho por você?
Pra mim, a câmera é somente uma ferramenta usada para dar forma a uma ideia previamente pensada e planejada.
Espero ter contribuído.
Um forte abraço e até a próxima!
Tag:artística, camera, consciência