Lucas Gibson (1992) e sua Osaka nightilife
Seria possível nesta coluna sintetizar o senso estético das imagens produzidas em nightclubs de Osaka pelo jovem e promissor fotógrafo carioca Lucas Gibson em uma palavra: yugên. Dessa forma caberia a você leitor viajar, não só pela instigante obra osakiana do fotógrafo, como também conectá-la ao seu olhar ocidental/ocidentalizante com pitadas de yugên nipônico. Minha intenção aqui é – além de prestar o meu reconhecimento ao trabalho premiado do fotógrafo – tentar interpretá-lo a partir da minha vivência no Japão. Como um jogo de espelhos entre a minha experiência e o olhar fotográfico do autor mediado pelo yugên (em uma tradução aproximada para o português: “a arte de tingir em negro”).
Algumas das imagens apresentadas aqui fazem parte de um ensaio fotográfico premiado (2º lugar) no tradicional e prestigiado Paraty em Foco (2016). Nas palavras do jovem fotógrafo a ideia seria fotografar/apresentar os elementos humanos que trafegam pelos nightclubs osakianos objetivando “exaltar o frescor da juventude transgressora” que desafia o modus vivendi da sociedade japonesa. A maneira como Lucas decidiu construir sua narrativa em p/b a partir de outsiders tatuados já merece aplausos. A maioria dos fotógrafos profissionais estrangeiros que passaram um tempo por aqui e que tive o prazer de conhecer, preferiu seguir o caminho “estético vitoriano sobre o Japão”, fotografando templos, maikos, geishas, natureza, comida, locais turísticos etc.. Sem problemas! Mas muito cliché para o meu gosto, Lucas san vai muito além disto…
O conceito de yugên de uma forma simplista se baseia em uma sensibilidade estética cujo o misterioso, o insólito dialoga com o contemplativo, o silencioso, uma espécie de “grito sem som”. Conceito estético oriundo da China e consolidado a partir do tradicional e belo teatro Nô japonês, cuja relação entre o óbvio e o súbito é mediada pela elegância dos movimentos que dividem o mesmo espaço (i.e. palco).
Quando me deparei pela primeira vez com estas imagens (antes de serem premiadas…) minha primeira impressão foi uma sensação de familiaridade (obviedade?) quase instântanea, mesmo não frequentando os espaços onde o fotógrafo produziu seu ensaio. Isso ocorreu, pois me lembrei das revistas japonesas (como a finada Burst) de tatuagens e nightclubs que já havia folheado algumas vezes, cujas fotos compartilham da mesma linguagem, mas não da mesma mensagem…Por isso o traballho de Lucas vai mais uma vez além dos clichés por três razões: 1. As imagens foram produzidas a partir de um olhar estrangeiro sobre o universo underground nipônico (olhar); 2. Imagens monocrômicas e o uso do flash (técnica) e 3. Na sua essência remetem ao universo do yugên (mensagem).
Vou me ater a segunda e terceira razões, essenciais para se fazer uma leitura mais estética da obra, compreendendo a delicadeza e ao mesmo tempo a intensidade do trabalho do fotógrafo.
O uso do flash recortando os corpos e enfatizando “o desejo de ser diferente” em um universo pautado pela “negação do eu”, desnuda e ao mesmo tempo preserva, a essência do sujeito fotografado. Uma radiografia às avessas de um universo desconhecido ou ignorado por muitos japoneses. Os corpos, as faces “recortadas” presentes nas imagens parecem mapas que em sua explicitude imploram:“leia-me”, mas em “silêncio”… Como algo “escondido atrás das nuvens” – e isto é puro yugên – que delineamos com o nosso olhar e que repentinamente a luz do sol (flash) traduz, explicita de maneira ao mesmo tempo direta (close-ups) e ao mesmo tempo sútil.
Na obra de Lucas os corpos “escondidos” durante a maior parte do dia e que subitamente aparecem ao cair da noite em espaços (palcos?) libertários como nightclubs, me fizeram repensar sobre o que já vi e o que vejo diariamente por aqui. O universo retratado por ele – e que para mim, primeiramente causou a uma sensação de desencontro – quase que de imediato me fez querer observar mais uma vez, sem o deslocamento inicial do olhar, me causando um verdadeiro torcicolo imagético!
Last but not least, conheci o Lucas aqui no Japão (eu munido de uma Canonet 17 QL III e ele com uma Canon DLSR….) há dois anos. Momento em que ele já ensaiava os primeiros cliques de forma mais séria. Entre conversas sobre o Japão, os japoneses (“as japonesas?”), viagens pela Ásia, saudades do Brasil e é claro FOTOGRAFIA, já dava para sentir no rapaz aquilo que o icônico fotógrafo japonês Nobuyoshi Araki comentou em uma entrevista: “Fotografar o/no Japão te faz enxergar o seu “eu” interior”. O resto é história…
Obs. Todas as imagens postadas aqui são de autoria e propriedade intelectual de Lucas Gibson© 2016
Links para mais informações:
- http://www.pefparatyemfoco.com.br/lucas-gibson
- https://www.instagram.com/lucascgibson/
- https://www.behance.net/lucasgibson
- http://www.coremagazine.co.jp/burst/
Tag:japonês, Lucas Gibson