Warburguianas Paulistanas
Para quem conhece ou estuda a obra de Aby Warburg, o título deste projeto fotográfico e artigo pode parecer pretensioso em vista da extensão e complexidade de seus estudos. No entanto foi o que achei mais condizente com as fotografias deste meu recente trabalho, do qual algumas imagens ilustram este texto (ou vice-versa).
Faz alguns anos que tenho a intenção de realizar uma série de fotografias mostrando as obras escultóricas e a atmosfera de alguns dos principais cemitérios da cidade de São Paulo. Uma recente iniciativa do Serviço Funerário da cidade de São Paulo que instituiu a visita guiada no cemitério da Consolação*, criando um roteiro para conhecer os jazigos de personalidades ilustres e as obras de arte instaladas nos túmulos, me fez reativar esta antiga ideia. Em um primeiro momento participei da visita guiada sem tirar fotos, pois é necessária plena atenção ao guia Francivaldo Almeida Gomes (Popó), que apresenta com grande conhecimento do local, os diversos pontos de interesse artístico e personalidades sepultadas. Em outros dois momentos posteriores, com a devida autorização do Serviço Funerário Municipal, realizei as fotos que fazem parte do trabalho.
A ideia de realizar fotos no local é antiga, mas a minha leitura do livro de Georges Didi-Huberman – A IMAGEM SOBREVIVENTE: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg – é recente, e não pude deixar de lembrar alguns trechos do livro enquanto realizava as fotografias e dessa forma surgiram as Warburguianas Paulistanas.
Caminhando solitariamente pelas ruas e quadras do cemitério da Consolação vou percebendo os detalhes das esculturas que remetem à história da arte. São trabalhos originais de escultores e marmoristas famosos ou não, além de cópias e releituras de várias obras do renascimento e outros períodos históricos que mesclam-se com a paz do ambiente e a arquitetura contemporânea dos edifícios que cercam esse campo santo.
Ao enquadrar o ambiente no visor da câmera, todos os detalhes fazem com que a minha memória seja remetida às pranchas do atlas de imagens “Mnemosyne” de Aby Warburg. Que lugar seria mais apropriado para entrar em contato com toda a antropologia, filosofia e psicanálise contida na obra de Warburg? Aqui, grande parte dos monstros e fantasmas da psicologia humana estão contidos. Todos os jogos de perspectiva, contrastes, detalhes de esculturas, portais, pedestais, ninfas e madalenas, além de anacronismos e montagens voluntárias (ou não) de níveis contraditórios de realidade.
O passado das várias “vidas” que fazem parte do cemitério da Consolação desde o ano de 1858, o momento presente, o futuro de uma ressureição ou vida após a morte, as diversas formas de ver e enxergar um local como o cemitério, servindo inclusive como ponto turístico e galeria de arte. Enfim, são pequenos e grandes detalhes que também remetem a trabalhos sobre a essência humana daqueles que foram contemporâneos de Warburg (1866 – 1929), como Nietzsche (1844 – 1900), Freud (1856 – 1939), Benjamin (1892 – 1940) e tantos outros.
Como diz o professor Tadeu Capistrano, na aba do livro de Didi-Huberman: “O projeto inacabado do atlas Mnemosyne, não é apenas complexa e instigante, mas é muito difícil de ser capturada sem correr riscos”.
Portanto, as fotos aqui apresentadas compõem um projeto infinito sobre aquilo que temos de mais humano, e sendo assim não tem prazo de validade ou para terminar.
Bibliografia
– Didi-Huberman, Georges, 1953-
A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg; tradução Vera Ribeiro. – Rio de Janeiro : Contraponto, 2013.
*A visitação ao cemitério da Consolação é aberta para estudantes, professores, pesquisadores, turistas, entre outros.