Mark Peterson e o teatro político
“Para os políticos, o flash é como crack”, diz o fotógrafo Mark Peterson
por Paul Moakley, via Time
Desde seu princípios, a fotografia tem sido inseparável do mundo da política, em que a imagem é crucial. Para a maioria dos candidatos presidenciais, controlar essa imagem tem sido essencial para suas mensagens. Em uma série denominada Seeing Politics (“Observando políticos”, em tradução livre), a seção Lightbox da revista Time examina a fotografia política através da campanha de 2016 em perfis, recursos e trechos analíticos.
Em 2016 é quase impensável imaginar que um fotografo poderia reinventar sua carreira produzindo fotos documentais em preto-e-branco, mas foi precisamente isso que Mark Peterson fez com seu projeto chamado Political Theatre (trad.: “Teatro Político”). Em tempos nos quais ouvimos tanto os eleitores dizerem que buscam por um outsider (um não iniciado, alguém de fora do meio), e que estão menos interessados em ‘políticos de carreira profissional’, seria necessário, talvez, que a fotografia política também tivesse um ‘estranho’ para captar sua atenção?
Peterson começou buscando por um novo estilo cinemático após inspirar-se pelo clássico Cidadão Kane, de Orson Welles. Utilizando as mesmas ferramentas que a maioria dos não-profissionais usam (Instagram, alguns aplicativos baratos e um flash na mão), Peterson investiu alguns dos últimos anos na estrada documentando a frequentemente carregada e bifurcada paisagem política americana. Fotógrafo desde 1980, Peterson chegou à profissão tardiamente, aos 29 anos, após uma série de trabalhos ‘inferiores’, fazendo de tudo, desde trabalhar em um armazém até ser bartender. Ele iniciou sua carreira jornalística num jornal local, onde entregava exemplares. “E em um mês”, ele diz, “todos saíram e eu era o editor. Não foi uma visão lá muito encantadora, mas senti um gosto do jornalismo”. Depois começou a trabalhar para um alternativo semanal em Minneapolis chamado City Pages, onde começou a tirar fotos. Mais tarde, como correspondente casual da United Press International (UPI) ele clicou uma foto dos então esperançosamente presidenciáveis Walter Mondale e Geraldine Ferraro, que acabou na capa do New York Times, e para onde ele manteve-se seguindo. “Penso que naquele momento — e mesmo agora — sou politicamente ingênuo e realmente não conheço políticos.”, ele diz à Time. “Walter Mondale em 1984 foi basicamente minha primeira vez observando o mecanismo da política e todo o carnaval de todos entrarem num ônibus e seguirem o candidato.”
Uma década depois, em 1991, quando David Duke concorreu para governador da Louisiana, ele aprendeu uma lição importante: “Você olhava para David Luke, que era um ex-membro de clã e um racista declarado, e ele parecia uma pessoa normal”, ele diz. “Parecia-se com Robert Redford em The Candidate, um perfeito candidato. Você poderia nunca, numa imagem fixa, captar a raiva e e o quanto ele era racista. A única maneira de fazê-lo era olhar para a audiência e o quanto nervosos ficavam com sua mensagem.”
A abordagem do estilo de Peterson para uma sessão fotográfica comumente contorna o evento principal e leva-lhe a um lugar inesperado para contar uma história. Por exemplo, em uma reunião da NRA (National Rifle Association) em Alexandria (estado de Virgínia, EUA), apesar de capturar apenas os discursantes, ele captura o direito dos norte-americanos de portar armas no banheiro clicando dois homens em uma fileira de urinois com grandes rifles pendurados em suas costas. Uma de suas mais recentes imagens, destacada na capa de uma das últimas revistas Time, mostra uma visão traseira de Donald Trump enquanto ele provoca sincope em uma grande multidão em Rochester (New Hampshire). É um mar de rostos cativados, olhando fixamente frente à câmera. “Os candidatos são todos bastante polidos sobre como aparentam-se”, diz Peterson. “Eles praticam por dias, não para provocar um engano. Mas quando você olha para sua audiência, é geralmente bem mais revelador.
“A gênese de Political Theatre começou em setembro de 2013.”, ele diz. “A ‘Obamacare’ estava prestes a ficar pronta para ser promulgada, e o Congresso estava a caminho de tentar pará-la. Houve até mesmo conversa sobre desligar o Governo para deixá-la pra trás, o que eles fizeram.” Ele presenciou uma reunião do Tea Party nas escadarias externas do Congresso, e esse foi o momento de inspiração de seu trabalho. “Foi apenas um evento orquestrado pela TV”, diz Peterson. “E eu tirei essas fotos, e quando as processei, estava realmente triste. Elas não captaram nada daquilo. Não senti-me como eles mostraram o quão falso foi o evento, que foi feito só para frases de efeito. Uma frase de efeito atrás da outra.” Ao fotografar o candidato republicano à presidência Chris Christie, Peterson ficou fascinado com a boca do político. “Fui a um evento, e tudo que quis fazer foi apenas fotografar sua boca, porque, aquilo era ele”, ele diz. “Eu o fotografei no passado e produzi fotos dele gritando às pessoas nas Câmaras Municipais, mas elas não mostram de fato com crueza o que ele é, ou qual seu poder como político, que é simplesmente calar a opinião de qualquer um no berro.”
Tentar purificar as coisas até sua essência ou simbolismo é uma técnica que Peterson emprega frequentemente enquanto pensa mais conceitualmente sobre como comunicar o que define um político e o que eles significam no momento. “Não quero ficar preso demais numa ideia em que eu sinta falta de algo”, ele diz. “Estou procurando sempre tentar destilar, estamos sempre fazendo um julgamento editorial todas vezes que apertamos o botão ou editamos.”
“Sigo Blood Simple quando clico”, diz Peterson, referindo-se ao filme de Joel e Ethan Cohen de 1984 [em português: Gosto de sangue], sobre um detetive particular. “Eu simplesmente mantenho-me disparando e disparando, e tenho certeza que pareço uma pessoa louca. Mas nunca senti-me confortável que eu tenha o clique.” Peterson publica quase todo seu trabalho através do Instagram, onde ele diz que cria uma prova de contato virtual para uma comunidade de seguidores que comentam e compartilham seu trabalho. Por sobre nossas vidas cuidadosamente selecionadas e autopromocionais (e agora com um bocado de propagandas), as fotografias de Peterson levam-nos a sentir surpresa e revelar um fluxo ao vivo do circo político assim como ele o vê.
O flash congela politicos em expressões grotescas destilando momentos de horror e absurdo cinematográficos que seus seguidores no Instagram curtem, e curtem mais e mais. “Para políticos, o flash é como crack”, diz. “Ele torna as coisas mais cinéticas. Penso que qualquer pessoa que entre num aposento e de repente há flashes disparando, passa a ficar bem mais vivo. Gosto de como ele dá mais mais dimensão e profundidade ao trabalho.”
A popularidade das fotos de Peterson pode ser explicada pelo encanto que sentimos ao ver figuras familiares através de lentes de tal modo estilizadas, mas dentro de um grande projeto que revela mais sutilezas. Sob seu flash de mão, ele mostra candidatos como seres humanos com suas falhas e imperfeições amplificadas por sua iluminação e enquadramento cuidadosos.
A textura e e a tonalidade de seu trabalho também é essencial para seu estilo. “Eu clicaria fotos com minha DSLR, mas daí passaria elas para meu celular, e usar qualquer app de 1 dólar que tenho para apenas destruí-las”, diz ele. “Sempre aderi a alguns dogmas do fotojornalismo, mas isso de certa forma mudou para mim. Que regras são essas? Não estou manipulando imagens, mas talvez esteja manipulando tons e tornando dramático.”
Usar aplicativos baratos para criar algo singular bate de frente à noção popular de que todo mundo é fotógrafo nesses dias. “Nunca fui uma pessoa muito técnica”, ele diz. “Nunca fui bom no Photoshop, e por isso comecei a usar aplicativos — porque posso apenas apertar um botão e daí seria tipo yeah, é assim que quero que fique parecendo. O Instagram é uma maneira realmente muito legal de começar a colocar seu trabalho pra fora, e acho que é uma prova de contato real do trabalho das pessoas. O pensamento de John Stuart Mill de que você simplesmente joga lá e deixa as pessoas começarem a pensar sobre aquilo.”
A decisão de Peterson de publicar sua fotografias no Instagram permitiu-lhe ser notado por clientes editoriais como a revista New York, a Politico e o MSNBC. “Jornadas de fotos em muitos lugares foram diretamente relacionadas ao Instagram”, diz.
Claro, suas fotos podem, por vezes, ser controversas entre seus seguidores e leitores das várias revistas para as quais trabalha. “Acho que as pessoas seguem para ambos lados com as imagens. Algumas pessoas riem delas, e algumas pensam ser bastante significativas. Tenho amigos que são conservadores, que dizem ‘Bem, que tal os democratas?’ Acho que minha foto de Hillary [Clinton] pode ser uma de minhas fotos mais cirúrgicas (que fiz). Penso que a captura num momento que você simplesmente não costuma vê-la. Você costuma vê-la parecendo bastante confiante. Muito, muito auto-consciente todo o tempo. Acho que provavelmente ninguém é mais consciencioso quanto à imprensa quanto Hillary Clinton e as armadilhas que vêm com ela.”
“Não estou criticando ninguém”, diz ele. “Mas as outras imagens são fotos que a campanha quer que você tire. Tudo é desenhado para essa luz brilhante no candidato e há o bastante dessas fotos tiradas.”
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Mark Peterson é um premiado fotografo americano representado pela Redux Pictures em Nova York. É contribuidor regular da TIME, do MSNBC, da revista New York e do Politico. Você pode seguir seu projeto Political Theatre no Instagram: @markpetersonpixs
Paul Moakley é diretor de fotografia e iniciativa visual substituto na TIME