O que é uma boa fotografia?
Essa é a primeira pergunta que faço aos alunos do meu curso básico de fotografia. Uso-a com o intuito de provocar um primeiro diálogo, de forma que os alunos possam se conhecer e eu a eles.
Mas o principal objetivo vai muito além disso. Essa questão, que de início parece ser simples, acaba normalmente por gerar um debate acirrado e isso, de certa forma, surpreende os alunos.
Normalmente, tem-se a ideia de que uma boa fotografia esteja associada a uma bela fotografia. Ou seja, que uma boa fotografia deve ser dotada de algum padrão estético e atender à esta ou àquela regra de composição. Tem-se também a ideia de que deve ser bem resolvida tecnicamente, tendo uma boa exposição, nitidez e com o assunto principal bem definido e em foco.
O problema é que quando começamos a expandir o conceito do que podemos considerar como sendo uma “boa fotografia” começamos a encontrar uma série de justificativas que nos levam a abrir o nosso horizonte em relação a esse conceito. E aí sim, começa a desconstrução do conceito trivial, acadêmico e superficial daquilo que pode ser considerado como sendo uma boa fotografia.
Uma boa foto deve ser uma bela foto?
Bom, depois de trocar algumas ideias, começamos a expandir o conceito de “boa foto” e ver que ele começa a se desligar de alguns aspectos estéticos pré-estabelecidos. O conceito de “boa foto” começa a assumir uma conotação mais ampla, subjetiva e interligada à sua área, ao seu objetivo ou simplesmente relacionada à situação que culminou com sua criação.
Em outras palavras, o status de boa foto deve ser relativizado, considerando-se principalmente fatores intrínsecos e inerentes àquela fotografia e ao contexto do que propriamente ser definido por alguma regra ou norma preestabelecida.
Assim, parâmetros, regras e normas não tem, por si só, condições de atribuir ou destituir uma fotografia do seu status de “boa foto”. É necessário todo um contexto para que se possa fazer a qualificação de forma correta.
Para ser considerada boa, é suficiente que uma fotografia passe a mensagem proposta?
Nesse ponto, somos tentados a dizer que sim. Ou seja, se uma fotografia cumpre o seu “dever” ela pode ser considerada boa. No entanto, devemos ter cautela porque não é assim que as coisas funcionam no dia-a-dia. O que ocorre na maioria das vezes é a tipificação, a descontextualização ou, poderíamos ainda dizer, a interpretação selvagem daquilo que se nos apresenta.
Quanto mais entendemos de um assunto, mais temos tendência a interpretar o que nos é apresentado de forma racional. Ou seja, não deixamos espaço para as sensações. Não conseguimos ver ou sentir da mesma forma como um leigo faria. E aí fica a questão: Quanto será que estamos perdendo com isso?
No caso de fotografias e imagens, pergunto-me: Não seria interessante fazermos uma primeira leitura de uma foto de forma apenas sensorial. Ou seja, tentar captar numa primeira abordagem a essência da imagem e a mensagem do autor, sem racionalizações. Deixar pra lá a exposição, o brilho, o foco e tantos outros detalhes técnicos. Não é isso que um leigo faz quando aprecia uma fotografia?
Essa prática é muito interessante, no entanto, há momentos em que teremos que decidir por esta ou aquela imagem. É isso que normalmente acontece no meio profissional. É com isso que convivemos no nosso dia-a-dia. Um exemplo é a não tão simples tarefa de escolher as melhores fotos feitas por nós mesmos para mostrar a um cliente. Isso é um verdadeiro exercício de desprendimento. Quantas vezes nos deparamos com várias fotos que fizemos e temos que escolher apenas uma? Que parâmetros usamos para julgar o nosso próprio trabalho?
Cada um enxerga com os próprios olhos
Sim, cada um enxerga com os seus olhos, e isso significa dizer que quando olhamos para uma fotografia vemos muito mais do que um simples conjunto de formas, luzes, sombras e cores. Vemos nossas lembranças, nosso passado, nossos anseios, nossos desejos e nossos medos. A visão e o sentimento que temos sempre será influenciado pela nossa experiência de vida.
Ainda que queiramos ser imparciais, técnicos, racionais, nossa subjetividade sempre estará presente no nosso julgamento. Trata-se de um processo inconsciente.
O equilíbrio
Podemos dizer que se ampliarmos a definição do que pode ser considerado uma boa fotografia, entraremos numa área totalmente subjetiva, onde, aos olhos de alguém, uma foto sempre poderá ser considerada boa. Esse viés não nos dá parâmetros suficientes para comparar duas fotografias, mas no meio profissional é isso que se espera, é isso que se faz: comparar imagens e escolher as melhores.
E o que acontece é que, de um lado temos o mercado com seus padrões estabelecidos, exigindo daqueles que querem ocupar um lugar ao Sol a sua total adaptação.
Por outro lado, temos a subjetividade que abre espaço para que qualquer imagem obtenha o status de “boa fotografia” posto que transfere essa responsabilidade ou competência ao indivíduo observador.
Assim, se levamos para o nosso dia-a-dia o automatismo interpretativo e a necessidade de estabelecer rótulos – práticas essas, inerentes ao campo mercadológico – estaremos certamente perdendo muito de tudo aquilo que as imagens podem nos mostrar. E se ao atuarmos no mercado, não tivermos objetividade e conhecimento de seus padrões, estaremos fadados ao isolamento e ao fracasso. Salvo, evidentemente, aquelas situações onde a genialidade vem quebrar os paradigmas atuais estabelecendo novos conceitos, caminhos e diretrizes.
Talvez o melhor caminho seja o do meio, ou seja, agirmos com equilíbrio, consciência e torcermos para que saibamos discernir a ora de interpretar da hora de sentir.
[divider]
A foto que ilustra o artigo é do fotógrafo Robert Capa. Ela foi feita feita logo após ele ter desembarcado em uma praia da Normandia junto com tropas da infantaria norte americana.
Apesar dela estar toda tremida, com perda de detalhes em diversas áreas devido ao alto contraste, ela retrata bem a agonia e o risco do momento. Talvez, se fosse uma foto perfeita tecnicamente, não teria tanta dramaticidade.
Tag:boa foto