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A obra Intangível
Volta e meia eu abro mão das palavras e de artigos mais técnicos e me lanço no mundo da construção de ideias mais filosóficas, mais introspectivas.
Pensando bem, eu sempre estou envolto com esta parte da fotografia que é mais emocional do que puramente científica, talvez só não escreva tanto a respeito como gostaria ou deveria.
Depois de escrever o artigo Ansiedade Fotográfica, um dos primeiros que fiz aqui para o Fotografia-DG, passei a buscar por um novo tema que pudesse explanar aqui sem me tornar enfadonho ou cansativo.
Enquanto lia um livro do filósofo Mário Sérgio Cortella, do qual tenho grande admiração, me deparei com uma crônica que leva o mesmo nome deste artigo, e que é a base para as minhas palavras.
Na crônica, o professor Cortella nos leva a um questionamento sobre como estabelecemos o valor de um trabalho, essencialmente aqueles que são manuais aos olhos de outros, mas que são ao mesmo tempo muito intelectuais.
Normalmente a base que nos calçamos para estabelecer o valor está sob dois aspectos: o tempo decorrido para execução e a suposta dificuldade momentânea de execução.
A observação do valor do trabalho apenas sobre estes dois aspectos não nos faz enxergar que há um mundo abstrato por trás de cada conhecimento e que colaborou para que aquele trabalho fosse criado. Este mundo é o que podemos chamar de “a obra do intangível”, ou aquilo que não podemos tocar ou ver.
Há uma história lendária que exemplifica esta obra intangível: Renoir, já com 70 anos, recebeu um discípulo que gostaria de aprender a arte da pintura deste mestre. O discípulo, alegando ter o tempo escasso, queria aprender a pintar um quadro em apenas 5 minutos, tal como Renoir fazia com maestria. Diante da pressa do seu discípulo, Renoir lhe dá a seguinte lição: “Fiz este desenho em 5 minutos, mas demorei 60 anos para consegui-lo”.
Esta lição oculta a seguinte questão (pelas palavras do próprio Cortella): ”como avaliar em um trabalho ou obra todo o intangível percurso e experiência anterior que foram necessários para que o resultado tangível possa ser recompensado, remunerado, apreciado?”
Para ajudar-nos a pensar nesta resposta lanço uma célebre frase de Sebastião Salgado: “Você não fotografa com sua máquina. Você fotografa com toda sua cultura”. Vou além e trago a frase de outro mestre, Ansel Adams: “Um fotógrafo não faz uma fotografia apenas com sua câmera, mas com os livros que leu, os filmes que assistiu, as viagens que fez, as músicas que ouviu e as pessoas que amou”.
Então pergunto a você: Quanto vale a sua cultura, o seu conhecimento, a sua experiência?
Sempre que um fotógrafo iniciante entra no mercado ele logo se preocupa em quanto cobrar por um trabalho fotográfico, e vai em busca de sites ou outros profissionais que possam direcioná-lo à um valor possível. Então se deparam com fórmulas, planilhas, cálculos, que envolvem custos de depreciação, de despesas, de insumos, de funcionários, etc.
Esses auxílios são válidos (e muito), todos nós devemos recorrer a estas ferramentas para tentarmos mensurar quanto vale o esforço e dedicação no desempenho de uma função. Porém, não podemos ficar restritos ou limitados a somente observar o custo de um trabalho fotográfico sob o prisma de cálculos matemáticos ou baseados numa realidade regional.
O valor de um trabalho, e neste caso falo da fotografia, deve estar amparado também na percepção do raro e na percepção da singularidade de cada imagem.
Todo o esforço que você faz estudando, indo a congressos e workshops, alimentando-se de referências visuais e sensoriais, o tempo que gasta debatendo com colegas, tudo isso também faz parte do valor da sua obra.
Muito embora o seu cliente não veja que você está buscando o melhor, ou seja, não está vendo a construção da sua obra intangível, ele terá a percepção sobre aquilo que lhe é palpável: a própria fotografia.
O que tudo isso significa? Dê valor ao seu próprio trabalho não somente pelo esforço físico que você vai despender para fazê-lo ou pelo tempo que levará para executar, mas também por tudo o que você vem construindo em sua vida para que aquele momento, para que aquela fotografia seja realizada.
Um pintor não estabelece o valor da sua arte pelo tempo que levou para pintar. Teríamos como definir o que vale mais: os afrescos de Michelangelo na Capela Sistina ou um quadro de Van Gogh? Uma sinfonia de Brahms ou uma valsa de Chopin? Uma poesia de Fernando Pessoa ou um soneto de Vinicius de Moraes?
Não há uma fórmula, não um método, não há nada que determine o quanto seu conhecimento, sua vivência, sua experiência influencie no valor final do seu trabalho, mas você deve reconhecer que esta obra intangível existe, que esta dentro de você, e que cobrar por ela é muito mais do que aumentar um preço mas sim VALORIZAR aquilo que você faz.
Muita luz, paz e harmonia para vocês!